Quinta, 21 Novembro 2024

Yavn Asencios* Professor de Engenharia Química e chefe do Laboratório de Pesquisa em Catálise e Química Sustentável do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) - Campus Baixada Santista

O uso de energias renováveis é extremamente necessário nos tempos de hoje, para evitar a emissão de gases de efeito estufa e as consequências do aumento da temperatura do planeta, bem como garantir um futuro sustentável que perdure para as próximas gerações. No entanto, a dependência climática as tornam fontes intermitentes, o que põe em risco a contínua produção de energia em razão da ausência de condições favoráveis, por exemplo, de noite, quando não se tem a luz do sol. Sendo assim, junto com os sistemas de energias renováveis, se faz necessário o armazenamento de energia elétrica, que atualmente é feito por meio de baterias, que podem ser de chumbo-ácido, de níquel-cádmio ou de íons de lítio. No entanto, o armazenamento de energia em baterias ainda é caro e pouco eficiente. Baterias de alto desempenho, em termos de máxima capacidade de armazenamento de energia, baixo peso, pouco espaço e baixo custo, ainda são um desafio. Uma alternativa é o armazenamento em forma de hidrogênio, usando o excesso de energia renovável para produzi-lo, devido às características desse elemento químico (possui poder calorífico muito superior a outros combustíveis, como metano, gasolina, diesel e metanol). Ele pode ser usado como combustível limpo, pois sua combustão gera apenas água e muita energia.

Em um esforço conjunto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), foi criado o Protocolo de Paris, um acordo que tem como principal objetivo mitigar as mudanças climáticas e diminuir as temperaturas globais bem abaixo de 2o C, em comparação com os níveis pré-industriais, além de acelerar investimentos e ações para um futuro mais sustentável. O Brasil se comprometeu a reduzir em 37% as taxas de emissões de gases de efeito estufa registradas em 2005 até 2025 e, consequentemente, em 43% até 2030, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente divulgados em 2020. Para cumprir os prazos estabelecidos pelo Protocolo de Paris, novas medidas sustentáveis estão sendo desenhadas pelos países assinantes do referido acordo para mitigar os impactos do uso de combustíveis fósseis no planeta.

Existem fortes motivos para o desenvolvimento da tecnologia de hidrogênio no Brasil, dentre eles podemos citar: a diminuição das mudanças climáticas e da emissão dos gases de efeito estufa, o combate à alta dependência dos combustíveis fósseis, a variação do preço do petróleo, os desafios do controle das reservas de petróleo incertas e a crescente demanda energética mundial.

O Brasil ainda depende dos combustíveis fósseis, concentrados principalmente nos meios de transporte que usam combustível automotor. Apesar disso, o país tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com participação de 70% das energias renováveis na matriz elétrica nacional. No entanto, essas dependem do clima (as desvantagens foram mencionadas anteriormente). Além disso, 60% dessa participação vêm das centrais hidroelétricas, que têm uma alta dependência das chuvas e são mais sensíveis às mudanças climáticas e à floresta amazônica. É necessária uma matriz elétrica mais diversa. Ainda há 30% da energia que vem dos combustíveis fósseis.

O preço de venda do petróleo segue uma complexa fórmula que extrapola os objetivos desse artigo, pois este depende de muitas variáveis, como a oferta e a demanda global, o preço no mercado internacional, o preço do dólar, a política interna de cada país e a geopolítica. Vale lembrar que, no início da pandemia, vimos o preço do barril do petróleo cair até valores negativos e disparar seu valor ao longo dos últimos meses, em razão da guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Alcançar a independência energética do petróleo e a segurança energética é o alvo de todos os países.

Países em desenvolvimento, como os da América do Sul, têm um enorme potencial de geração de energia solar, eólica, hidrelétrica e bioenergética. Todas elas são promissoras. Um cenário não tão favorável é visto em países desenvolvidos, como os que compõem a União Europeia e os EUA, onde o uso do hidrogênio como combustível parece ser uma alternativa rápida para cumprir o Acordo de Paris. O Brasil tem potencial para se tornar um grande exportador do hidrogênio verde, aquele que vem de energias renováveis, o que geraria muitos empregos e demandaria mão de obra qualificada.

Agora vamos ao papel dos fertilizantes. As plantas precisam de macronutrientes N-P-K (símbolos dos elementos químicos nitrogênio-fósforo-potássio, respectivamente), além de sol e água, lógico, para poder subsistir e crescer. Os fertilizantes contêm esses macronutrientes. No caso dos fertilizantes à base de nitrogênio, eles são feitos a partir de amônia NH3. Embora o nitrogênio seja um elemento em abundância no planeta Terra, pois se encontra no ar atmosférico em uma composição de 79% em volume, as plantas precisam absorvê-lo pela raiz (sob a forma de NO3- ou NH4+), com o uso de fertilizantes quando a terra não tem esse nutriente em abundância. Uma forma de fixar o nitrogênio atmosférico foi descoberta há mais de 110 anos, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, na Alemanha, pelo químico Fritz Harber, que descobriu a síntese de amônia usando nitrogênio do ar e hidrogênio. A industrialização do processo foi feita, posteriormente, por Carlos Bosch. Essas descobertas levaram ambos a ganhar o Prêmio Nobel de Química nos anos 1918 e 1931, respectivamente. O procedimento, mais conhecido como Harber-Bosch, é usado até hoje e é denominado como "a reação que alimenta o mundo". A técnica usa hidrogênio, obtido a partir do gás natural, nitrogênio e catalisadores de ferro.

O Brasil exporta alimentos para abastecer a demanda de quase um bilhão de pessoas no mundo, o que significa em torno de um oitavo da população do planeta, segundo Ricardo Senra informou em 2020 em reportagem da BBC Brasil. Contrariamente a isso, tem-se reportado recentemente que 33 milhões de pessoas no Brasil não têm o que comer. Existem vários motivos para essa escassez de alimentos; um deles está relacionado à alta do preço dos fertilizantes, que torna os alimentos mais caros.

O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e é o maior importador desses insumos. Antecedem a ele, no consumo, a China, a Índia e os Estados Unidos. Só para ter uma ideia, em 2021, o Brasil consumiu mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes, 85% foram importados. O maior exportador de N-P-K do planeta é a Rússia. O hidrogênio necessário para síntese da amônia vem a partir do gás natural, que se transforma em gás de síntese (uma mistura gasosa de hidrogênio H2 e monóxido de carbono CO) por meio uma reação específica chamada Reforma a Vapor do Metano, combustível do qual a Rússia é o segundo maior produtor do mundo e o maior exportador. A amônia é a matéria-prima para a produção de fertilizantes, como a ureia e o nitrato de amônia. A Rússia e o Oriente Médio (Arábia Saudita, Catar e Irã são grandes produtores de petróleo e de gás natural) são os maiores exportadores.

A intensificação da produção de hidrogênio no Brasil ajudaria, consequentemente, a produção local de amônia e, com isso, a produção de fertilizantes nitrogenados. Isso traria benefícios à economia do país e também ajudaria a diminuir a insegurança alimentar. Embora a amônia também seja usada para produzir explosivos, seu uso para diminuir a fome prevalece e é muito mais forte.

De acordo com uma das mais importantes bases de artigos científicos, a Scopus, as pesquisas no mundo sobre hidrogênio e gás de síntese (mais conhecido como Syngas, sigla em inglês para Synthesis-Gas) começaram a ganhar mais interesse desde 2004, com um enorme crescimento desde então, resultando em 62.292 artigos publicados entre 1964 e 2022. As pesquisas são lideradas por países como China, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, Índia, Alemanha, entre outros. E, no cenário regional, aparece o Brasil, destacando-se na América Latina. Muitos dos trabalhos no Brasil se centram na produção de hidrogênio/gás de síntese a partir de bioprodutos, como etanol de cana, glicerol, bio-óleo e biogás. Também há estudos que usam bioprocessos. Dito isso, o Brasil é uma potência mundial em biocombustíveis.

Na Unifesp, existem pesquisas sobre Syngas no Laboratório de Catálise e Química Sustentável do Instituto do Mar (IMar/Unifesp), em parceria com pesquisadores(as) do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Como exemplo, existem estudos para produção de gás de síntese a partir de biogás sintético, biometano e bioetanol. Também há estudos sobre a produção de hidrogênio a partir de água e de luz solar com a ajuda de catalisadores semicondutores por meio de um processo chamado fotocatálise-heterogênea. Embora esses processos ainda estejam em escala de laboratório, os resultados são muito promissores, ainda mais considerando o cenário global atual.

A implementação da tecnologia para produzir hidrogênio e o apoio à ciência e às universidades públicas no Brasil facilitariam a construção de um projeto de futuro energético nacional e, com isso, o país alcançaria a independência energética e de fertilizantes nitrogenados. Isso também ajudaria a criar demanda de mão de obra qualificada e a aquecer a economia.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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