* Engenheiro, professor universitário (Unisanta) e escritor - membro da Academia Santista de Letras
A cidade de Santos, por exemplo, está apta a sediar uma ZPE desde 2015, por enquadrar-se no inciso III da Resolução CZPE/ME nº 29, o que foi ratificado em 2021.
Mas, por que a grande concentração de indústrias produtoras de bens e de alta tecnologia do Estado de São Paulo está no planalto, sobretudo no interior, e não nas proximidades do Porto de Santos, o principal do país?
Lembro de perguntar isso a um diretor do Navipeças, num evento realizado no Rio de Janeiro, em 2010. Em resposta, ele disse que queria distância “daquele inferno” (o Porto de Santos), e que a indústria queria proximidade de mão de obra especializada.
Pois bem, a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) possui mais de uma dezena de Instituições de Ensino Superior e Escolas Técnicas, públicas e privadas, inclusive unidades do SESC e do SENAI, ou seja, da própria indústria!
Ainda em 2015, consultei a FIESP sobre com quem deveria falar sobre planejamento e a possibilidade de, com base na legislação de ZPE, atrair indústrias para áreas próximas ao porto. Fui informado de que o setor havia sido incorporado a outro. Ao questionar esse outro setor, recomendaram que eu entrasse em contato com a Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo.
Pois bem, muito do “inferno” mencionado pelo então diretor do Navipeças é de responsabilidade de governos, sim, mas também de empresários.
É certo que o desnível de cerca de 700 m entre o planalto e a RMBS, e a complexidade de construção de estradas e ferrovias para vencê-los, não apenas no âmbito da Engenharia mas, principalmente, no quesito ambiental são, atualmente, quase intransponíveis, no cenário atual.
Para isso contribuem: Lei da Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar, limitações geométricas (curvas, gabaritos de viadutos, restrições de horário para o tráfego de carretas que trazem cargas de projeto, etc.) em estradas; concomitância de tráfego de cargas e veículos de passeio no Sistema Anchieta Imigrantes (SAI), pedágio caro, interferência com tráfego urbano (ainda aguardamos a conclusão do Ferroanel), licenciamentos ambientais intermináveis e sempre passíveis de judicializações, gerando instabilidade jurídica, conflitos de interesses político-partidários, etc.
São muitas variáveis a equacionar! E isso sem falar na pesada carga tributária incidente sobre a produção industrial.
Parte das iniciativas adotadas pelo setor industrial para reduzir custos de produção e comercialização inclui a busca por terrenos baratos, licenciamentos menos complexos e incentivos fiscais.
Atentos a essa oportunidade, vários municípios ofertaram essas condições, facilitando a implantação de condomínios logístico-industriais em seu território. Alguns Estados, além disso, oferecem alíquotas de ICMS mais atraentes, o que tem caracterizado a chamada "guerra fiscal".
Porém, esse distanciamento do Porto de Santos tem implicação direta no custo do frete, parte do famigerado "Custo Brasil".
Existem áreas na RMBS próximas ao porto que podem abrigar ZPE, condomínio logístico-industrial, porto-indústria, etc. O custo do terreno pode ser até mais barato do que no interior do Estado, porém, são áreas greenfield, com restrições ambientais que encarecem sobremaneira o custo de implantação de empreendimentos, por mais sustentáveis que sejam.
Isso ocorre graças, não apenas ao rigor da legislação vigente mas, também, a uma interpretação enviesada do conceito de sustentabilidade, que privilegia aspectos ambientais - que não deixam de ser importantes, enfatize-se! -, relativiza os sociais, basicamente restritos a comunidades culturais, assentamento quilombolas e aldeias indígenas, sem considerar mais claramente o potencial de geração de empregos diretos e indiretos propiciado pela implantação de novos empreendimentos; e considerando a fator econômico como mera especulação financeira e busca de lucro, em detrimento dos demais.
Tivemos um exemplo emblemático dessa visão parcial no recente caso do Complexo Empresarial Andaraguá, em Praia Grande/SP:
Uma decisão do TJ-SP suspendeu a Licença de Instalação do empreendimento, por considerar que, sendo privado, não tinha interesse público.
Ora, gerar centenas de empregos, formar profissionais e gerar milhões de reais em tributos que melhorarão e ampliarão a oferta de serviços públicos, e comprometer-se a executar medidas compensatórias, inclusive ambientais, não têm interesse público?
Essa decisão equivocada foi posteriormente reformada, de forma unânime, pelo próprio TJ-SP.
No entanto, essa situação não tem sido isolada, nem tem tido desdobramento semelhante.
A sistemática judicialização de quase tudo o que se refere a licenciamentos ambientais de empreendimentos, tem criado um ambiente de instabilidade jurídica e, muito pior, tem colocado "em cheque" os órgãos licenciadores como CETESB e IBAMA.
Mas, voltando à China - que alguns exaltam como modelo a ser seguido pelo Brasil em função dos resultados, e não pelos métodos utilizados -, as ZEEs estão localizadas junto a portos que hoje estão entre os de maior operação de cargas do mundo, como já mencionado.
Por que não temos uma ZPE próxima ao Porto de Santos? O mesmo vale quanto a outros portos.
Ressalte-se que o tipo de indústria a ser implantado deve ser preferencialmente não concorrente com as indústrias existentes, além de ter foco primordial em exportações. Isso inclui transferência de tecnologia e novos produtos de alto valor agregado, cujo fabrico tenha baixo impacto ambiental.
Em suma, trata-se de uma produção que representará uma “nova economia”, que resulte em desenvolvimento, geração de empregos e tributos que contribuirão para a melhoria da qualidade de vida das cidades e cidadãos, onde forem localizadas.
É importante salientar que o já citado Decreto Federal nº 9.933/2019, dispõe:
Art. 6º A autorização para a criação de ZPEs deverá estar norteada pelas seguintes diretrizes: I - contribuir para o desenvolvimento local (grifo nosso), possibilitando a redução de desequilíbrios regionais; II - aproveitar o potencial exportador da região e aumentar o valor agregado das exportações brasileiras (grifo nosso); III - priorizar propostas de criação de ZPEs localizadas em área geográfica privilegiada para a exportação (grifo nosso); e IV - utilizar de forma racional os recursos naturais. Parágrafo único. Para efeitos da aplicação desta resolução, considera-se "área geográfica privilegiada para a exportação" aquela com disponibilidade de insumos (matérias-primas, partes, peças ou componentes), que ofereça condições para a produção dos bens e serviços, mão-de-obra capacitada ou possibilidade de capacitá-la e que disponha de canais de escoamento eficientes para a entrada de insumos e envio dos produtos elaborados para o exterior (grifos nossos).
Essas premissas ainda não foram plenamente implantadas no Brasil, uma vez que a ZPE de Pecém tem foco em siderurgia.
Considerações finais
Como viabilizar, então, além da reindustrialização do país, mais especificamente do Estado de São Paulo, a pesquisa científica, a transferência de tecnologia e a competitividade de produtos nacionais de alto valor agregado no mercado internacional?
É importa realçar que o incremento de cargas de maior valor agregado e tecnologia muda sensivelmente o enfoque atual de nossas exportações e dos próprios Planos Mestres e Planos de Desenvolvimento e Zoneamento portuários pois, em lugar de focar em quantidade, passa a enfatizar a qualidade. Agregue-se o fato de que a operação de cargas conteinerizadas e de projeto é bem menos dependente de fatores climáticos, o que também teria impacto positivo sobre a taxa de ocupação de berços e tarifas portuárias pertinentes.
O ideal é que inicialmente sejam feitos estudos que indiquem:
· que tipo(s) de indústria(s) seria(m) implantado(s) nas proximidades do porto, com base nos interesses estratégicos nacionais e atrativos de mercado;
· qual ou quais mercados seriam atrativos para importar essa produção (América Latina, África, Oceania, etc.);
· se uma ZPE e seu regime aduaneiro e tributário é o melhor modelo a ser considerado; · quais as efetivas restrições legais, sobretudo ambientais, à implantação de empreendimento industriais na RMBS;
· se a Declaração de Utilidade Pública é a única solução, considerando a legislação vigente; ou se é viável a mudança da legislação, para adequando-a ao moderno conceito de sustentabilidade, também expresso nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Plataforma 2030 da ONU;
· quais os mecanismos de atração de empreendimentos que podem ser disponibilizados pelos governos, em todos os níveis (os previstos na ZPE, redução de ICMS, ISS, IPTU, etc.); e
· que empresas estariam interessadas em implantar ou atuar nesse modelo, entre outras.
O coerente e desejado é que a condução desse processo ocorra com numa parceria entre governos e iniciativa privada.
Caso não haja um interessado específico em desenvolver esse estudo, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) pode ser suscitada a fazê-lo, já que o tema é de interesse estratégico nacional.
Quanto às áreas disponíveis, estudos feitos pela Fundação Tecnológica para o Desenvolvimento da Engenharia (FDTE) e a empresa Advanced Logistics Group (ALG), esta última financiada pelo Governo Espanhol, estudaram áreas da RMBS apropriadas para esse fim, em meados da década de 2010, todos de posse do Governo Federal. Ambas indicaram a área continental de Santos como a mais propícia, inclusive em curto prazo.
Quanto às restrições ambientais, a Lei Federal nº 11.248, de 22 de dezembro de 2006, conhecida como “Lei da Mata Atlântica”, que abrange essa área - como quase todo o litoral paulista, aliás - prevê o instituto da Declaração de Utilidade Pública (DUP), sendo que:
Art. 3º Consideram-se para os efeitos desta Lei: [...] VII - utilidade pública (grifo nosso): a) atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infraestrutura de interesse nacional destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia, declaradas pelo poder público federal ou dos Estados (grifo nosso); [...]
O comércio exterior é de interesse nacional, de forma que a logística e infraestrutura inerente também o são. Referendando essa tese, a Portaria nº 17 do Ministério da Infraestrutura, de 6 de janeiro de 2022, declarou de utilidade pública, para fins de supressão vegetal, empreendimento de interesse nacional, essencial à infraestrutura portuária, a ser implantado em área de 110 mil m2, dentro da Poligonal do Porto Organizado de Santos. Essa área é localizada na interface entre o terminal arrendado pela Brasil Terminal Portuário (BTP) e o futuro terminal de contêineres STS10.
A Poligonal do Porto Organizado de Santos foi alterada em 18 de janeiro de 2022, ampliando sua abrangência na área continental do município, o que potencializa DUPs no escopo da Portaria nº 17, mas nada impede que tal ocorra mesmo fora desse perímetro.
A Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007, foi substituída pela Lei Federal nº 14.184, de 14 de julho de 2021, novo marco legal das Zonas de Processamento de Exportação, a qual trouxe importantes alterações, tais como:
Art. 2º A criação de ZPE far-se-á por decreto, que delimitará sua área, a qual poderá ser descontínua (grifo nosso) observado o disposto no § 6º deste artigo, à vista de proposta dos Estados ou dos Municípios, em conjunto ou isoladamente, ou de ente privado (grifo nosso). § 1º-A O Poder Executivo regulamentará o processo seletivo de caráter público por meio do qual os entes privados poderão apresentar propostas para a criação de ZPE.
Em resumo, o novo marco legal das ZPEs:
· Revogou a obrigatoriedade das empresas de exportarem 80% da produção;
· Autorizou a iniciativa privada a criar ZPEs, mediante autorização do poder público;
· Adequou a regra de internalização às normas da Organização Mundial do Comércio (OMC); e · Facilitou a construção de ZPEs em áreas conectadas com portos e aeroportos, o que é lógico, além de básico. E certo que por serem áreas greenfield, há necessidade de sua urbanização, como a implantação de infraestrutura física e de utilidades, algo comum em condomínios logísticos existentes no interior do Estado. Uma das atividades industriais que podem ser implantadas, que podem reduzir substancialmente os problemas que envolvem cargas de projeto (transformadores, turbinas e outros equipamentos e máquinas), é que seus componentes sejam enviados em caminhões convencionais ou vagões, e sua montagem seja feita no interior da ZPE. O mesmo vale quanto a customização de veículos e drawback.
O incremento mundial de sistemas inerentes a cidades inteligentes e humanas, demanda equipamentos que também podem ser projetados e produzidos nesse tipo de empreendimento, lembrando que o Estado de São Paulo possui vários Parques Tecnológicos de referência, ou que podem tornar a sê-lo, caso da Fundação Parque Tecnológico de Santos (FPTS).
Muito do que o Brasil importa poderia ser produzido e exportado, e não apenas objeto de substituição de importação.
Novas atividades econômicas, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, empregos qualificados, cargas de maior valor agregado seriam muito vem vindas!
Escusado lembrar que as principais potências mundiais e países desenvolvidos são aqueles que dominam tecnologias e as exportam.
Pouco tempo atrás, um PhD dos EUA criticou o fato da maioria dos estudantes nas principais instituições de pesquisa científica e tecnologia estadunidenses serem estrangeiros, sobretudo indoasiáticos, que, ao concluírem os cursos, voltavam para seu países de origem, contribuindo para seu desenvolvimento e capacidade de concorrência.
No Brasil, a inteligência aqui formada, e mesmo a formadas nas mesmas universidades internacionais de renome, no âmbito da ciência e tecnologia, saem ou não voltam ao país.
Trata-se, portanto, de uma oportunidade para o Brasil deixar de ser exportador basicamente de commodities de baixo valor agregado, para reindustrializar-se e tornar-se uma potência econômica e tecnológica de fato, tendo seu sistema portuário como trunfo logístico, e sempre com ênfase em sustentabilidade.
Mas isso depende de visão de Estado e da superação de problemas crônicos do país, tais como: disputas ideológicas deletérias de poder, falta de continuidade de planos e de cumprimento de metas, corrupção, instabilidade jurídica e regulatória, subserviência a outros países e falta de incentivo à permanência da inteligência no país.
Como dizia Gonzaguinha, não se trata de ufanismo ou, no extremo oposto, aderir a um globalismo de fachada, proselitista, que, em verdade, envolve exaltação e identificação com outras ideologias ou países: " A gente quer viver uma nação!".