*Advogado e jornalista, é sócio-diretor da Meta Consultoria e Comunicação e do Ferreira de Mello Advocacia.
Investimentos em infraestrutura portuária são pré-condição do desenvolvimento sustentável, mas podem se transformar em incógnita durante crises, em que o setor público esbarra em seus limites orçamentários e o privado, compreensivelmente, se torna mais avesso ao risco. Foi essa circunstância que colocou em xeque o plano “Pró Brasil”.
Apresentado pela Casa Civil na semana passada, o plano tinha previsão de investimentos públicos da ordem de R$ 50 bilhões, incluindo logística, porém, foi colocado em segundo plano pela equipe econômica, devido ao seu impacto no Tesouro. Não haveria espaço no orçamento para esses gastos, além das medidas já adotadas para atenuar os efeitos da pandemia – entre elas, auxílio a autônomos e informais, liberação de FGTS, postergação de recolhimento de tributos, linhas de financiamento a pequenas empresas etc.
Uma ironia que o novo coranavírus nos traz é o fato de a dívida pública brasileira poder ter aumento recorde este ano, a despeito da bandeira de austeridade fiscal do atual governo. Consultorias financeiras projetam um déficit primário (resultado sem o pagamento de juros) de 6,20% do PIB este ano, o pior desde 2016 (2,48%), na era Dilma Rousseff, e o maior da série histórica iniciada em 2001 - e tudo por conta dos esforços orçamentários para atenuar a crise decorrente da Covid-19.
As mesmas consultorias acreditam que o resultado nominal, isso é, o rombo já com o pagamento dos juros, será de 11,10% do PIB, o que seria o pior resultado desde 2002. Forçoso é reconhecer que estaríamos em muito pior situação, não fosse a Reforma da Previdência e o empenho feito nos últimos dois anos para conter as despesas discricionárias, o que nos obriga a concordar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, quando diz que, passados os “gastos emergenciais”, anticíclicos, voltaremos a trilhar o caminho da austeridade fiscal e das reformas estruturantes.
Surpreendentemente, e apesar dos cenários desafiadores, as notícias que chegam da beira do cais nos últimos dias não são das piores - e algumas até promissoras. Em primeiro lugar porque as quedas de movimentação de carga nos terminais portuários, até o momento, ainda não são drásticas. Isso pode ser explicado pelo fato de a maior parte dos dados ser relativa a março, quando ainda estavam sendo movimentadas cargas de contratos fechados em janeiro e fevereiro. Contudo, e mais importante, já há quem acredite que o fato de o Brasil exportar produtos essenciais, como proteína animal, pode significar um diferencial, quase uma blindagem, impedindo uma retração ainda maior de nossas exportações.
Por esse raciocínio, o impacto na queda de movimentação nos terminais não será homogêneo, devendo afetar menos as exportações de commodities agrícolas. Trata-se, na verdade, de uma tese que ainda merecerá confirmação, o que só será possível a partir dos dados a serem coletados de maio em diante. O que se sabe por enquanto é que, segundo seguradoras, os contratos de seguro de transporte de carga (em diferentes modais) caíram 28% de março para abril, bem como o registro de cargas diminuiu 11% de um mês para o outro. Em relação ao mesmo período do ano passado, a queda nos contratos de seguro foi de 19%.
A despeito desse dado, alguns terminais continuam fazendo movimentações robustas e até batendo recordes, como é o caso de Imbituba (SC), que realizou, na semana passada, o maior embarque de minério de ferro (117 mil toneladas, no navio KSL Seoul) de um porto da Região Sul. Investimentos privados, a despeito da compreensível aversão ao risco citada de início, estão sendo confirmados. O terminal Santos Brasil, o maior da América Latina no segmento de contêineres, deu início às obras de reforço de seu cais, com investimentos de R$ 100 milhões e prazo de conclusão de 15 meses, mantendo assim o cronograma de ampliação e modernização de suas instalações, que envolve outra série de obras.
Entre as notícias promissoras também pode ser incluído o anúncio dos leilões de terminais de celulose, em Santos, agendados para o segundo semestre. Será um termômetro do ânimo dos investidores. A melhor notícia, contudo, veio da agência reguladora. A Antaq negou pedido de suspensão de cobrança de taxa por Serviço de Segregação e Entrega (SSE), feita por usuários de dois terminais de Santa Catarina, atuando de forma coerente com as suas normas regulatórias.
A cobrança de SSE representa uma legítima remuneração pelos serviços de movimentação de cargas prestados pelos terminais, dentro de um ambiente de livre concorrência. A pandemia, por mais grave que seja, será passageira, ao contrário das normas regulatórias, que devem ser perenes, em prol da segurança jurídica e dos investimentos.
Da beira do cais, notícias boas, apesar da crise
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- Nilson Mello
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