A Autoridade Portuária de Santos deve mesmo ser privatizada? Se sim, sob qual modelo? A municipalização é um caminho possível? Em meio aos questionamentos e incertezas sobre o processo de desestatização do Porto de Santos, o Ministério da Infraestrutura (Minfra) busca dar garantias de que um projeto primordial para a região, como é a ligação seca entre as duas margens do Porto, será implementado. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em visita a Santos na sexta-feira (26/11), confirmou a agenda da desestatização e a inclusão do túnel no projeto - porém, independente dela, há indícios de que o projeto do imerso pode avançar.
Ministro Tarcísio (à esq.) com jornalistas. Crédito: Márcia Costa.
Tarcísio Gomes de Freitas destacou a importância dos investimentos no Porto de Santos durante sua visita à região, quando inaugurou três obras que somam R$ 601 milhões: a construção de uma terceira linha férrea entre os bairros do Valongo e Paquetá, pela Portofer; um píer de atracação para navios de granéis líquidos na Ilha Barnabé, pela Ageo Norte; e obras de ampliação e modernização do Tecon, pela Santos Brasil. Finalizou sua agenda acompanhando o primeiro embarque de celulose pelo terminal da Bracell.
Se tudo ocorrer como o Minfra prevê, o primeiro leilão da desestatização deve ocorrer no segundo semestre de 2021, apontou Freitas. O ministro destacou que há um enorme interesse do capital estrangeiro em investir no Porto de Santos. Em missões empresariais do Minfra a diversos países, ficou notório que apostar em um dos maiores portos do mundo é um bom negócio. Freitas garantiu que os investimentos no Porto ocorrerão e com redução de tarifas. Porém, os valores de outorga terão que ser revistos por conta da alta dos insumos, frisou.
Espera-se que os tão aguardados investimentos garantam a melhoria do desempenho do maior porto da América do Sul e também o desenvolvimento regional. E esse debate pode ser traçado durante as audiências públicas sobre a desestatização que, conforme o ministro anunciou, devem ocorrer a partir de dezembro e durar 45 dias. Trata-se de um debate complexo com a sociedade que, conforme Tarcísio de Freitas, deverá respeitar a relação porto-cidade, os operadores e todos os contratos, sem supremacia de um grupo sobre o outro.
Ligação seca é projeto essencial para a região
Em entrevista à imprensa no cais da Bracell, o ministro afirmou que o projeto de ligação seca do governo é o túnel, informando que o novo concessionário que assumir o Porto de Santos (no caso da desestatização) vai ficar responsável pelo investimento no projeto. Para isso, será feito um aporte financeiro em uma conta separada para este fim.
Segundo o ministro, o Minfra não tem discutido o projeto de ligação seca via ponte, projetado pela Ecovias e defendido pelo governo do Estado. “Vejo alguns problemas com a ponte passando por canal de navegação”. Além da ponte evitar interferir na manobrabilidade do Porto e na segurança de navegação, o governo federal quer evitar recorrer a investimentos advindos de uma concessão existente que tem tarifas altas de pedágio. A proposta é atrair investimento com redução de tarifa, pontuou.
Na modelagem de Santos, dentro do valor que vai ser auferido, cabe a construção e operação do túnel, explicou o ministro em Santos. “Estamos conseguindo puxar muito investimento com redução de tarifa (rodoviária). A proposta é segregar isso, fazer uma nova concessão, cria uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para isso, para não restringir a participação de operadores portuários no leilão de Santos, de forma que não deixem de participar do leilão por conta do ônus de operar também no rodoviário. Daí é possível ter uma concessão atrativa por meio dos recursos aferidos na desestatização. Temos condição de colocar essa ligação seca de pé, que é melhor sobre todos os aspectos”.
Uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) é um modelo de organização empresarial para constituição de uma nova empresa, com atividade restrita. Segundo o Sebrae, pode ser um empreendimento coletivo para compartilhamento do risco financeiro da atividade desenvolvida. É uma modalidade de joint venture utilizada para grandes projetos de engenharia, com ou sem a participação do Estado, como na construção de usinas hidroelétricas, ou projetos de Parceria Público-Privada (PPP).
Porto e cidades devem ser beneficiado dos investimentos
O Porto de Santos gera riquezas capazes de se transformarem em benefícios para toda a região. Seja qual for a forma de administração adotada para o Porto de Santos, ele precisa levar em conta a relação porto-cidade, implementando as soluções necessárias para o complexo e a região.
Em debates realizados sobre a desestatização, como o II Congresso de Direito Marítimo Portuário da ABDM, o Minfra buscou reforçar o compromisso com a logística portuária e a mobilidade pública. “A ligação seca está compondo o processo de desestatização. Isso vai acontecer, isso já está sacramentado. O modelo que vai ser colocado muito em breve em consulta pública leva em consideração a obrigação por parte do concessionário de custear essa obra da travessia seca Santos-Guarujá, uma solução de túnel muito bem pensada que resolve não só as questões logísticas do porto que são importantes, mas também as questões referentes à mobilidade. Então isso traz um impacto, é importante para as populações que dependem desse transporte, é uma questão histórica para esses municípios”, disse o secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni.
Túnel pode acontecer para além da desestatização
“Existe uma doação de projeto para a Autoridade Portuária incluir o túnel no projeto de desestatização”, disse o consultor portuário Casemiro Tércio de Carvalho, porta-voz da campanha Vou de Túnel. A afirmação foi feita à TV Record, que produziu recentemente uma ampla reportagem sobre a centenária luta pela ligação seca.
Para além da inclusão do projeto do túnel na proposta de desestatização do Porto, há outra opção de financiamento da obra via iniciativa privada, informou o consultor. Caso o processo de processo na desestatização atrase ou não ocorra, há um plano de concessão pura ou patrocinada com a Autoridade Portuária.
Sociedade deve debater as melhores soluções para a região
Aguardada para o mês de dezembro, a consulta pública sobre a desestatização do Porto de Santos trará a oportunidade de a comunidade da Baixada Santista discutir propostas como a ligação seca, que atendam ao Porto e à região como um todo. Independente da desestatização, há projetos que precisam ser tratados sobre o prisma de um plano de desenvolvimento para a Baixada Santista. São mais de 100 anos de espera por mudanças no principal complexo portuário do País e por um projeto digno de mobilidade pública entre Santos e Guarujá.
* Jornalista, fotógrafa, pesquisadora, docente, pós-doutora em Comunicação e Cultura e diretora da Cais das Letras Comunicação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.