A organização Práticos – Serviços de Praticagem do Porto de Santos e Baixada Santista S/S Ltda. publicou recentes informes publicitários em alguns veículos de comunicação, defendendo os preços cobrados pelos serviços de praticagem (serviços prestados por pilotos que auxiliam o comandante dos navios nas operações de entrada ou saída dos portos).
Em razão destes referidos informes, cumpre-nos tecer alguns esclarecimentos à sociedade, de forma a demonstrar que as premissas e as conclusões lançadas, conforme abaixo transcritas, merecem uma análise mais cuidadosa, calcada em custos e conceitos atuais frente à realidade mundial, e sem misturar princípios ideológicos com análise econômica e financeira dos serviços de praticagem.
1. “O Prático é um profissional altamente qualificado que não mantém vínculos empregatícios de qualquer espécie e não recebe, portanto, vencimento de salário.”
A qualificação técnica dos práticos e o nível de profissionalização, de uma maneira geral no Brasil, são reconhecidos pela quase unanimidade dos tomadores de serviços, no caso as companhias de navegação. Isso se deve não só ao empenho dos próprios profissionais, mas também à participação da Autoridade Marítima – DPC, que fiscaliza e dá as orientações técnicas necessárias compatíveis com os melhores padrões internacionais.
Entretanto, em relação à remuneração, o modelo em vigor, para estabelecimento dos preços dos serviços de praticagem, precisa ser revisto, principalmente se considerarmos a remuneração atual dos práticos frente a dos Comandantes dos navios, ou mesmo aos preços cobrados pelas empresas de rebocadores para efetuarem as mesmas manobras. Em ambos os casos, o valor pago pelos serviços dos práticos é bem superior.
Para melhor compreensão, esclareça-se que para a entrada e saída de um porto o navio depende da requisição de um prático (piloto especializado num determinado porto) e também o auxílio de um ou mais rebocadores portuários, que são embarcações igualmente tripuladas por um mínimo de cinco profissionais com muita experiência. Esses rebocadores, por serem dotados de grande capacidade de manobra e tração, garantem a manobrabilidade do navio ao longo do canal do porto, acompanhando o mesmo até o cais e auxiliando na atracação. Atualmente no porto de Santos, somente para a manobra de entrada de um navio de 5.500 teus com 65.000 TAB’s (Toneladas de Arqueação Bruta) que dura em média uma hora e trinta minutos, paga-se pelo serviço do prático a quantia de R$ 13.130,00 (treze mil, centro e trinta reais), enquanto que para a companhia de rebocadores, paga-se em média R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dois rebocadores.
Com efeito, existem modelos de remuneração e controle dos serviços de praticagem utilizados por outros países que deveriam ser considerados, uma vez que o modelo brasileiro de Monopólio de serviços, sem controle dos preços, gera distorções como a mencionada no parágrafo anterior.
2. “Há grupos internacionais que não aceitam que profissionais brasileiros qualificados e independentes, sob a fiscalização da Autoridade Marítima Brasileira, façam cumprir rigorosamente as normas de segurança. “
Como dito acima, os tomadores de serviços, tanto nacionais como estrangeiros, têm elogiado a qualificação técnica dos práticos (com poucas exceções) e a participação da Autoridade Marítima na capacitação dos profissionais. O que não pode ser aceito é a falta de um controle efetivo dos preços dos serviços obrigatórios, prestados por um Monopólio, como é atualmente o caso dos serviços de praticagem.
Os Armadores, sejam eles Empresas Brasileiras de Navegação ou Armadores estrangeiros, têm feito grandes investimentos na renovação de suas frotas, e são os maiores interessados em proteger suas embarcações com rígidos procedimentos de segurança, sendo que, no caso de acidentes, serão eles os responsáveis e não os práticos, uma vez que atuam como assessores do Comandante a quem cabe toda a responsabilidade sobre a embarcação.
3. “O sistema adotado para fixação de preços decorre de uma negociação direta entre quem paga e quem recebe. Na inexistência de um senso comum, a Autoridade Marítima tem o poder de arbitrar o preço.”
Se por um lado existe previsão de livre negociação entre os tomadores e prestadores dos serviços, por outro, tem-se o monopólio na atividade, o que torna desigual e desequilibrada qualquer negociação.
A Autoridade Marítima, por sua vez, só pode arbitrar preços quando ocorre a interrupção da prestação do serviço essencial de praticagem. Aqui a própria “interrupção dos serviços” pode não ser tão facilmente caracterizada, pois eventualmente podem haver atrasos nas manobras dos navios que, embora não configure tecnicamente como interrupção, causam evidentes e vultosos prejuízos aos usuários, que incluem exportadores, importadores e companhias de navegação, pressionando, assim, para que sejam aceitos os preços pretendidos.
Assim, é preciso que se encontrem outras formas de regulação da sistemática de remuneração dos serviços de praticagem, pois o modelo atual favorece o Monopólio. Prova disso são os ganhos exagerados da maioria das praticagens, bem como os altos custos impostos às empresas de navegação. Faz-se necessária a adoção de um modelo que permita a concorrência saudável na prestação dos serviços de praticagem, não só para se estabelecer preços de mercado como também para garantir a melhoria contínua da qualidade dos serviços.
4. “O Brasil abriu mão de sua Marinha Mercante, o comércio marítimo internacional está nas mãos dos mega transportadores internacionais, inexistindo atuação reguladora nacional sobre os valores dos fretes.”
A Constituição Federal Brasileira adotou o princípio geral da livre concorrência, reconhecendo-o como o maior e mais eficaz instrumento de proteção e defesa do consumidor. Prevê ainda, a Carta Magna brasileira, que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Nos casos de abuso do poder econômico por parte de quaisquer agentes que venham a, de qualquer modo, impactar a livre concorrência, determinou a Lei de Defesa da Concorrência que caberá ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, que englobam a SEAE, SDE e CADE, fiscalizar e coibir tais abusos, ainda que praticados no exterior, na medida em que produzam efeito no Brasil.
Assim, a afirmação de que inexiste atuação reguladora nacional sobre os valores dos fretes não procede. Aliás, é digno de registro que, no ano 2008, foram realizadas 26.775 escalas de navios nos portos brasileiros, sendo que 78% do comércio exterior brasileiro é realizado pela via marítima. No transporte de contêineres, há mais de 40 empresas – entre nacionais e estrangeiras concorrendo entre si e servindo a mais de 170 países. O resultado dessa elevada concorrência foi a queda em mais de 70% nos preços dos fretes, nos últimos 19 anos, conforme dados da Consultoria Inglesa Drewry. Nenhum modal no Brasil teve queda tão acentuada nos fretes decorrente de acirrada concorrência.
5. “As características peculiares do serviço de praticagem já foram analisadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – e pela Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico – SEAE – durante sete anos. Com a sua experiência, em seu Parecer, a SEAE registrou que a estruturação do mercado brasileiro de praticagem encontra corroboração nas experiências internacionais, destacando “que houve tentativas de introduzir a concorrência no mercado de praticagem em alguns países do mundo.”
Antes de esclarecermos sobre o Parecer do SEAE e CADE mencionado neste item, destacamos o texto do Relatório Anual do CADE de 1997, também citado pela praticagem de Santos em outra parte de seu manifesto e do qual trataremos mais abaixo. Esse relatório dedicou um capítulo específico aos setores regulados em geral, e, particularmente, ao setor portuário, o qual, em função de suas características específicas e peculiares, requereu uma regulação especial. Diz o referido Relatório que “O objetivo da regulação de setores específicos na economia tem sido normalmente o de corrigir as chamadas falhas de mercado. Cabe destacar que a falta de regulação pró-concorrencial pode inviabilizar a concorrência em determinados setores, onde a estrutura que emergiria da ação do livre mercado seria desnecessariamente concentrada ou, por qualquer outro motivo, anticompetitiva. Nesse sentido, a existência de uma regulação adequada se torna condição necessária e, em certos casos, suficiente para viabilizar um ambiente concorrencial em setores específicos”.
No parecer da SEAE citado pela praticagem e corroborado pelo CADE (Parecer da SEAE de 03/05/2005, no processo administrativo 08012-006144/1999-19), a SEAE reconhece que “a regulação do mercado, que é consequência de sua estrutura peculiar, deixa pouco espaço para a concorrência”. Tal parecer destaca ainda que “a conduta colusiva por parte dos práticos foi (e tem sido) incentivada pela regulação, tendo em vista as elevadas economias de escala presentes no Mercado”. Como o próprio SBDC reconhece, as próprias características do mercado de serviço de praticagem e o modelo atual de prestação em vigor no Brasil (que inclui o rodízio obrigatório na escalação dos práticos e empresas de praticagem), levam a uma conduta de conluio em vista dos poucos profissionais habilitados para o serviço de praticagem em cada um dos portos brasileiros. Assim, os práticos não se devem prevalecer dessa regulação que gera, em muitos casos, um monopólio, para impor preços abusivos não respaldados nos seus custos efetivos e muitíssimo superiores aos preços praticados internacionalmente. Esse é justamente o alerta do CADE no citado Relatório Anual ao afirmar que “a falta de regulação pró-concorrencial pode inviabilizar a concorrência em determinados setores”.
Nesse particular, vale ressaltar ainda que o parecer do CADE, que tratou do processo administrativo citado pela praticagem, teve como um dos seus pressupostos em sua análise, a afirmação da Associação dos Práticos do Estado do Paraná – APEP de que “os preços praticados no Porto de Paranaguá são inferiores aos praticados em diversos portos do mundo” (Relatório do CADE em 07/02/2006 no processo administrativo 08012-006144/1999-19). Ocorre que o estudo da CEGN/USP indica que o preço da praticagem no Brasil, de um modo geral, é 2,2 vezes superior ao preço praticado no mercado internacional.
Alias, não é necessário qualquer estudo muito sofisticado para concluir que, se o custo dos serviços prestados por um prático chega a ser superior ao custo dos serviços de três rebocadores (e suas respectivas tripulações) utilizados na mesma manobra, ou mesmo que se os rendimentos mensais dos práticos alcançam cifras entre R$ 100.000,00 e R$ 200.000,00, o modelo atualmente utilizado no Brasil tem algo de muito errado.
O alerta do CADE no citado Relatório Anual de 1997 é justamente no sentido de que seja assegurada uma regulação pró-competitiva para os setores que apresentam certas peculiaridades.
6. “Os serviços de praticagem representam, em média, 0,07% do custo pago pelo exportador por contêiner e o frete marítimo para Houston está em torno de R$12.367,10 por contêiner.”
A Praticagem de Santos utiliza, para tentar corroborar a informação do percentual de 0,07% do custo pago pelo exportador, parte de uma apresentação feita em 2006 pela armadora francesa CMA CGM onde, na ocasião, procurou-se demonstrar os dois diferentes grupos de custos envolvidos na exportação, ou seja: (i) custos logísticos diretos do exportador e (ii) custos logísticos diretos do armador com a entrada e saída dos navios nos portos. Nessa apresentação, foi informado, naquela ocasião, que o custo médio por escala para as empresas de navegação representa R$23.367.00, sendo que a praticagem equivale a aproximadamente 50% desses custos. Assim, a praticagem utiliza um fragmento do estudo de 3 (três) anos atrás sem considerar sua participação no contexto.
A verdade dos números atuais é completamente diferente. Com o volume de contêineres atualmente movimentado, o custo total para o armador, por contêiner, representa mais de R$300,00 e os custos de praticagem, em torno de R$200,00 por contêiner. Se os volumes de carga retornarem aos níveis anteriores à crise, o custo por contêiner para o armador será em torno de R$125.00 e a praticagem, R$65.00, representando 52% dos custos totais para o navio. Outrossim, a informação de que o frete para Houston está em torno de R$12.367,10 não corresponde à realidade. De acordo com os dados públicos disponíveis, os fretes para aquela região giram em torno de 20% desse valor.
7. “Não foi considerado um outro grupo eventual de custos para o exportador, a sobrestadia (demurrage), que advém de atrasos no embarque ou desembarque da carga.”
A sobrestadia citada (ou demurrage) é geralmente cobrada pelos navios de carga a granel com frequências de escalas não regulares, quando há atrasos prolongados para o embarque e desembarque de cargas. Não se trata de fonte de lucros e, sim, de receitas para reembolsar despesas adicionais de aluguel dos navios, em decorrência de ineficiências que ocasionam atrasos desnecessários na operação das embarcações . São práticas internacionais comuns nesses tipos de navios e não se aplicam a navios de linha regular, como é o caso dos navios porta contêiners. Por outro lado, para ser justo, seria necessário mencionar também que há prêmios pagos quando, ao contrário, ocorre tempo salvo nas operações dos navios. Assim, ao informar sobre os custos com demurrage, dever-se-ia informar também as receitas decorrentes do dispatch money (bônus) auferidos pelos exportadores e importadores.
8. “Fábio Mello Fontes estranha o nível de preocupação que estaria sendo demonstrado com um item que corresponde a 0,07% do custo de exportação por contêiner. Principalmente porque, tendo em vista a natureza do mercado de fretes marítimos, uma transferência efetiva ao exportador, via redução do custo do frete é, no mínimo, duvidosa.”
É até natural que os práticos tenham este tipo de dúvida, uma vez que não têm intimidade com a dinâmica de um ambiente concorrencial sadio, uma vez que os Armadores são obrigados a contratar o serviço de praticagem sem qualquer outra opção, estando sujeitos a pagarem preços influenciados pelo poder de um Monopólio sem a necessária regulação de tarifas. O custo do frete é resultado direto da lei da oferta e da procura que regula o mercado. Com a queda de volumes e aumento da oferta de espaço nos navios, os fretes caíram vertiginosamente. Cabe aos Armadores reduzirem ao máximo seus custos para poderem oferecer fretes mais baixos aos clientes e se manterem competitivos. Neste ambiente, repita-se, extremamente competitivo, qualquer redução de custo é repassada ao frete.
Atualmente os fretes não estão cobrindo os custos de operação e não garantem a sobrevivência das empresas de navegação. Como resultado, a continuidade da oferta dos serviços está comprometida. Ao se buscar a redução nos custos, inclusive através do estabelecimento de tarifas de praticagem mais justas, uma vez que atualmente representam mais de 50% dos custos portuários, busca-se manter níveis de frete baixos que permitam ao exportador brasileiro diminuir seus custos logísticos e ser mais competitivo no exterior, incrementando, assim, o volume das suas exportações e, outrossim, contribuindo para o superávit na balança comercial.
9. “O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) registrou, em seu Relatório Anual de 1997, que eventuais reduções no preço do serviço de praticagem poderiam ter efeitos pequenos, diante da possibilidade dessas reduções de preço serem absorvidas apenas pelas empresas de navegação.”
A praticagem de Santos cita textualmente o Relatório Anual do CADE de 1997, que dedica todo um capítulo à Privatização, Regulação e Defesa da Concorrência.
Parte desse capítulo foca na análise da Regulação no Setor Portuário e Defesa da Concorrência, constatando que o “mercado de portos apresenta imperfeições, tornando essencial uma atenção especial ao fomento da concorrência interportos. Isso inclui a concorrência entre terminais, operadores, trabalhadores, dentre outros”. Frise-se que nos “outros”, incluem-se os práticos.
O referido relatório realça ainda que “o CADE deve ficar cada vez mais atento às limitações na operação portuária que estejam causando prejuízo à concorrência sem ganhos compensatórios”, destacando “aspectos do funcionamento do serviço de praticagem” como um dos pontos a serem examinados sob o ponto de vista concorrencial. A concorrência interportos depende naturalmente do conjunto das fases da operação portuária, incluindo-se aí os custos de praticagem.
O referido relatório destaca ainda “a importância da concorrência portuária, visto que afeta praticamente todos os setores de bens comercializáveis no mercado externo”, já que “a grande massa de importações entra no país pelo porto, fazendo com que a não consecução dos objetivos concorrenciais nesse setor possa prejudicar parte dos ganhos de bem-estar almejados com a abertura econômica. Isso sem falar nos impactos sobre a competitividade das exportações brasileiras”.
A Praticagem de Santos alega que o CADE teria registrado, em seu Relatório Anual de 1997, que eventuais reduções no preço do serviço de praticagem poderiam ter efeitos pequenos, diante da possibilidade dessas reduções de preço ser absorvidas apenas pelas empresas de navegação.
Na verdade, o relatório constata que, além da concorrência portuária, é necessária a concorrência entre as empresas de navegação. Transcrevemos textualmente a frase utilizada pelo CADE em seu relatório anual dentro do seu contexto: “Também na praticagem todo o esforço de racionalização demanda a existência de concorrência entre as empresas de navegação. No limite, a ampliação da concorrência no serviço de praticagem poderia ter efeitos pequenos, se a redução de custos for absorvida apenas pelas empresas de navegação”.
Ora, essa situação limítrofe, hipoteticamente citada pelo Relatório do CADE, só ocorreria na falta de concorrência entre os armadores. Isso porque, em não havendo concorrência entre eles, esses não repassariam a redução dos seus custos aos seus usuários.
Ocorre que os armadores efetivamente concorrem entre si e de forma absolutamente acirrada na busca de novos mercados. Portanto, qualquer redução de custo nas fases da operação portuária, incluindo nos serviços de praticagem acaba obviamente refletindo no usuário final.
10. “A comprovação deste vaticínio ocorreu ainda em 1997, quando a Autoridade Marítima alterou a formatação do serviço e as praticagens deixaram de ser cooperativas e passaram à condição de sociedades uniprofissionais. As remunerações antes existentes, com os encargos e variáveis de ordem trabalhista que lhes eram peculiares, foram transformadas em preços. A mudança reduziu as despesas dos armadores com a praticagem em cerca de 28%. Não houve, entretanto, qualquer redução nos valores dos fretes.”