Luiz Alberto Costa Franco é engenheiro civil, ex-diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e consultor de dragagem. Foi chefe do serviço de dragagem do Porto de Santos e é colaborador do Portogente
O Ministério Público pretende reduzir a largura do canal de acesso, no seu trecho retilíneo na entrada da Barra, pois entende ser o alargamento do canal, naquele segmento, que resulta na erosão da Ponta da Praia.
Já nos manifestamos que os efeitos deletérios das atividades de dragagem, na Ponta da Praia, tem origem a montante da curva entre os Alinhamentos A e C do canal de acesso.
De fato, ao alargar o canal nas proximidades do trecho entre o Entreposto de Pesca e a Ponte Edgard Perdigão, na margem sua direita, aproximou feixes de correntes ao litoral, junto a praia, alcançando profundidades que não eram atingidas em razão da deflexão que ocorria em face das baixas profundidades daquele baixio. Assim, os sólidos em suspensão, que seriam depositados no mesmo local com as alternâncias de maré, são carreados pela correnteza em direção às praias do José Menino e Gonzaga. Esse processo é contínuo determinando a transferência sistemática da areia em suspensão de um local para o outro e exacerbam os efeitos das frentes frias em conjunção as marés de sizígias na erosão da Ponta da Praia.
Há, também, outro fator que indica serem inócuas as medidas de redução da largura do canal, a natureza do material a ser dragado. Para explicarmos essa nossa afirmativa socorremo-nos do trabalho publicado em agosto de 1979 na revista “Portos e Navios” e apresentado no III Congresso Latino Americano de Dragagem, sob o título “Dragagem de Material Fino – Areia Fina/ Silte/ Argila - Problemas e Soluções Encontradas no Porto de Santos”.
Foi na década de 70 que se iniciou o emprego das dragas de sucção auto transportadoras nos serviços de dragagem, no porto de Santos, que até então eram executados por dragas estacionárias de alcatruzes e excepcionalmente com as de sucção e recalque. Por outro lado, foi nesse mesmo período que se intensificou a expansão do porto, iniciada nos fins dos anos 60 com o canal da Cosipa. A implantação dos terminais da Alamoa e do Corredor de Exportação e a necessidade de dragar os canais de acesso obrigou a Companhia Docas de Santos rever todos os critérios adotados nos serviços de dragagem, tanto no estabelecimento de procedimentos na execução dos serviços com dragas de alcatruzes, como naqueles que definiriam as condições de pagamentos dos serviços de terceiros. Daí todo o empenho que resultou no trabalho apresentado no III Congresso da ALAD (Associação Latino Americano de Dragagem).
O inusitado é o fato que a CDS fiscalizava a CBD (Companhia Brasileira de Dragagem, vinculada a Portobrás). Isto é A INICIATIVA PRIVADA FISCALIZANDO para fins de pagamento AS ATIVIDADES DO GOVERNO.
Assim, paralelamente a uma série de estudos de sedimentologia visando conhecer o comportamento hidráulico e sedimentológico do estuário e baia de Santos elaborados por renomadas instituições (IPT, CBTN, INPH), a CDS priorizou estabelecer condições técnicas definidoras dos critérios a serem adotados nas execuções e nas medições desses serviços. A relação do solo in sito e do que era dragado passou a ser o foco.
Definimos então dois tipos de material in sito: o de assoreamento recente; e o solo “original”, “virgem”, não amolgado.
O solo virgem apresenta alto grau de coesão, que na mecânica dos solos pode ser definida, de uma forma genérica, como a resistência ao cisalhamento de um solo quando não há nenhuma pressão externa sobre ele. Esta resistência pode ter três origens: a presença de um cimento natural que promove um processo de aglutinação dos grãos; a ligações exercidas pelo potencial atrativo de natureza molecular ou coloidal; e o efeito da pressão capilar na água intersticial do solo. Entretanto, independentemente da origem, o tempo decorrido da deposição de camadas sucessivas do solo na sua formação é fundamental. Convém salientar que estamos falando de solo submerso e não de solo saturado, a adoção da equação do peso especifico do solo saturado para definição do solo submerso leva a erros grosseiros.
Já o solo fino de assoreamento recente não apresenta ainda qualquer tipo de compactação e ou consistência e tende a fluir em planos inclinados dispersando-se em todas as direções em planos horizontais. Na verdade esse material não é propriamente solo, não obedece as fórmulas que definem os índices físicos da Mecânica dos Solos. O peso especifico dessa mistura só pode ser encontrado mediante medição e ou análise laboratorial.
Na dragagem de implantação, aprofundamento ou alargamento do canal, o material retirado é constituído de solo virgem, enquanto na de manutenção o que se retira é o material assoreado. Após a implantação, as condições naturais do canal só seriam restabelecidas decorridas algumas centenas de anos sem qualquer outro serviço dessa natureza. A restrição sugerida pelo MP, em termos de sanear os efeitos deletérios da dragagem não terá eficácia, pois a dragagem numa seção reduzida produziria uma rápida ocupação da área dragada pelo material adjacente, até apresentar volumes que cessassem essa dispersão.
Por outro lado, se não tem efeito prático no aspecto efetivo do controle da erosão, tem realmente a força necessária para que todos os envolvidos nas atividades portuárias e na proteção e bem estar da comunidade santista, busquem soluções de engenharia (que há) que mitiguem o fenômeno da erosão na Ponta da Praia.