“Contudo, no caso dos autos, não há que se falar em extinção do processo com base no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil (convenção de arbitragem). Isso porque, a apelante veio a juízo pleitear direito próprio decorrente do contrato de seguro (fls. 48/63) e não do contrato de transporte marítimo que possui a cláusula de compromisso arbitral. A sub-rogação da seguradora não é do mesmo direito material que emerge do contrato de transporte marítimo, mas sim do contrato de seguro. (...) Desse entendimento é que surge o direito da apelante de pleitear o ressarcimento dos prejuízos sofridos!” Aresp 2103324 – SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 28/06/2024.
A arbitragem jamais poderá ser imposta ao segurador sub-rogado, se este com ela não houver aquiescido antes, expressa e formalmente. Mesmo que essa cláusula esteja presente no charter party (contrato de afretamento) e no conhecimento de embarque.
Foi com esse entendimento que a 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente a Ação Regressiva de Indenização proposta pela companhia ARGO SEGUROS BRASIL S.A., contra o armador e transportador marítimo internacional SAGA WELCO, em virtude de contrato firmado para realizar o transporte marítimo de “polpa química de celulose de eucalipto” do Porto de Vitória Espírito Santo para o Porto de Brake Alemanha.
A autora celebrou com sua segurada contrato de seguro do ramo transporte marítimo internacional de cargas, visando obter cobertura securitária aos transportes de bens ligados ao seu ramo de atuação empresarial. Assim, cumprindo cláusulas e condições do seguro contratado, a empresa segurada informou à seguradora, tempestivamente, a exportação, embarque e transporte de uma remessa constituída por 3.465 unidades de polpa química de celulose de eucalipto, com peso total bruto de 6.930 toneladas métricas.
O produto exportado seria utilizado como matéria prima para fabricação de papel.
Por se tratar de celulose de eucalipto, a mercadoria é sensível, tornando-se inutilizável para a sua finalidade avariada por umidade, molhadura, sujidades ou rasgadura. Em razão da exportação do lote em destaque, a SAGA WELCO foi contratada para o transporte marítimo internacional desde o porto de origem, onde foi coletada a carga segurada, em Barra do Riacho/Aracruz, Espírito Santo, no Brasil, até o porto de destino em Brake, Alemanha, onde o navio atracou em 17 de novembro de 2018, data em que teve início a descarga do lote segurado.
Na operação de descarga, houve a constatação por parte do Terminal Portuário recebedor que parte da carga apresentava danos diferentes dos ressalvados no embarque. Rasgos causados por atritos foram registrados pelo terminal portuário, já na descarga das mercadorias, compaginando a responsabilidade do transportador marítimo pelo inadimplemento do contrato de transporte, pois a remessa apresentava sérios danos.
Após a vistoria, quando concluída a descarga da mercadoria no porto alemão, foi verificado o seguinte: identificados danos à carga com 276 polpas de celulose avariadas e outras três com os arames de elevação quebrados, diversas das quais haviam sido ressalvadas no recibo do imediato - motivo por que foi solicitada a intervenção de um comissário de avarias. Portanto, não restou dúvida de que a segurada sofreu prejuízos na execução do contrato de transporte.
A seguradora honrou o contrato de seguro, indenizou sua segurada, vítima original dos danos, no valor de US$ 136.400,31, e, sub-rogando-se em todos os seus direitos e ações, ou seja, na sua pretensão original, requereu da transportadora o ressarcimento do que foi pago à segurada. Para isso, esgotadas as tentativas extrajudiciais, ingressou com ação judicial que foi distribuída para a 5ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, em face da transportadora, que seria a causadora do dano à segurada no importe de R$500.425,45 (quinhentos mil quatrocentos e vinte e cinco reais e quarenta e cinco centavos).
Em sua inicial, a autora sustenta que a sub-rogação dá-se ao bônus, não aos ônus, já se antecipando em dizer que a seguradora terá sempre garantido o uso da jurisdição brasileira. Em sua defesa, por outro lado, a transportadora suscitou preliminares de incompetência do juízo, em razão de convenção de arbitragem e eleição de foro exclusivo, bem como por ausência do preenchimento de requisito previsto no Código Comercial. A Juíza Luciana Bassi de Melo proferiu sentença de extinção do processo sem resolução de mérito, por se considerar incompetente para o conhecimento e julgamento da controvérsia, ao reconhecer a validade da cláusula arbitral no contrato celebrado entre a segurada e a transportadora, da qual a seguradora tinha conhecimento no momento da emissão da apólice de seguro.
O advogado da autora, Paulo Henrique Cremoneze Pacheco, interpôs Recurso de Apelação, a sustentar que a cláusula de arbitragem no contrato de transporte é de adesão, imposta unilateralmente pelo transportador marítimo, armador, emitente do instrumento contratual, que simplesmente impõe a sua vontade por cláusulas impressas e pré-formatadas, sem qualquer manifestação de vontade livre do consignatário da carga, segurado, muito menos da seguradora sub-rogada.
Em seu arrazoado, destaca que no contrato de transporte marítimo, especialmente, a cláusula arbitral e a posição do segurador sub-rogado são incompatíveis; a responsabilidade do transportador é objetiva; a carga segurada, ao chegar no porto estrangeiro, apresentava avarias bem mais graves do que as relatadas no princípio; houve pretensão de se neutralizar a jurisdição brasileira a pretexto da cláusula compromissória de arbitragem, inclusive por meio da desnecessária decretação do sigilo processual, pois a questão dos autos não diz respeito à arbitragem e “questões comerciais que publicadas poderiam acarretar prejuízo à parte” não é hipótese prevista no art. 189, IV, do Código de Processo Civil. Insistiu ainda que a solução arbitral só pode ser escolhida se não houver vulnerabilidade e se a matéria corresponder aos pressupostos de validade dos negócios jurídicos, devendo respeitar a soberania da jurisdição nacional e o próprio ordenamento jurídico brasileiro. Argumentou que a seguradora não pode ter a obrigação de obedecer à imposição de negócio jurídico do qual não foi parte em sentido estrito e com o qual não anuiu; a imposição de arbitragem à seguradora fica duplamente vetada pela lei e pelo contrato de seguro; o entendimento do E.STJ pela admissibilidade da extensão da cláusula de arbitragem à seguradora é minoritário; a seguradora apenas tenta resguardar seu crédito material, não se submetendo às demais cláusulas do contrato de transporte; foi juntada cópia integral do conhecimento de transporte e o transportador tenta confundir as avarias graves que apareceram depois do transporte com aquelas anteriormente existentes.
Carreou aos autos pareceres dos juristas Ives Gandra da Silva Martins e Arruda Alvim, para auxiliar na fundamentação do caso, especificamente sobre cláusula compromissória de arbitragem, na qual, expressa e livremente se convenciona, em um contrato, que os litígios dele decorrentes serão submetidos à arbitragem, situação que somente pode ter validade entre aqueles contratantes e, em caso de terceiros, somente àqueles que expressa e conscientemente aderiram aos seus termos.
Por sua vez, a apelada respondeu, afirmando ser necessária a manutenção do segredo de Justiça; e que a r. sentença deveria ser mantida por ser obrigatória a observância da cláusula de arbitragem pela seguradora sub-rogada; que os pareceres foram intempestivamente apresentados; que não há de se falar em contrato de adesão; que a obrigação foi devidamente cumprida, pois tomou todos os cuidados necessários para manter a carga em bom estado; os danos reportados são anteriores ao embarque da carga no navio e que a própria apelante teria admitido que simples trabalho de limpeza restabeleceria a condição da carga e o respectivo custo seria tão somente de R$ 15.162,33.
Os advogados da apelante e da apelada sustentaram oralmente e os desembargadores José Marcos Marrone e Virgílio de Oliveira Junior seguiram o relator J. B. Franco de Godoi, para dar provimento ao recurso. O colegiado considerou que a seguradora recorreu ao Judiciário para pleitear direito próprio decorrente do contrato de seguro e não do contrato de transporte marítimo que possui a cláusula de compromisso arbitral.
“A apelante veio a juízo pleitear direito próprio decorrente do contrato de seguro e não do contrato de transporte marítimo que possui a cláusula de compromisso arbitral. A sub-rogação da seguradora não é do mesmo direito material que emerge do contrato de transporte marítimo, mas sim do contrato de seguro. Neste sentido o disposto na Súmula 188 do E.STF: “O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro.” Desse entendimento é que surge o direito da apelante de pleitear o ressarcimento dos prejuízos sofridos!” O Código de Processo Civil reconhece a possibilidade e a validade da arbitragem desde que expressamente observada a forma legal, conforme dispõe o parágrafo 1º do artigo 3º: “É permitida arbitragem na forma da lei”.
No caso, a seguradora não aderiu à referida cláusula, de forma que não se seguiu à risca a legislação brasileira no requisito da aceitação da parte sujeitar-se ao juízo arbitral. No caso, a indicação da arbitragem foi feita no contrato de transporte e ainda que a seguradora esteja litigando com fundamento no direito de regresso, sub-rogada nos direitos e ações da segurada, essa cláusula contratual não lhe alcança. inexistente quaisquer das hipóteses de exclusão da responsabilidade da transportadora-apelada, quais sejam, o vício próprio da coisa, o caso fortuito ou a força maior. É o risco de sua atividade! Intrínseco ao contrato de transporte marítimo a responsabilidade da transportadora em caso de perda ou avaria das mercadorias e ainda em caso de retardamento na entrega, cabendo a ela ilidir esta presunção legal. Tendo sido efetuado o pagamento da indenização, houve sub-rogação da seguradora nos direitos da segurada.
A sub-rogação da seguradora não é do mesmo direito material que emerge do contrato de transporte marítimo, mas sim do contrato de seguro. O prejuízo final corresponde ao valor segurado da mercadoria avariada subtraída do valor auferido com a venda dos salvados, ou seja, $136.400,31.” (fls. 79) Dessarte, julga-se procedente a ação, condenando-se a ré-apelada a pagar à seguradora apelante o valor de R$ 500.425,45, apontado na inicial, devidamente corrigido pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça desde a data da sub-rogação e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação, devendo a ré arcar com as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.” Concluiu a 23ª Câmara de Direito Privado do TJSP, ao reformar a sentença de primeiro grau e dar provimento ao recurso da seguradora.
O advogado Paulo Henrique Cremoneze Pacheco sustentou oralmente as razões de apelação da seguradora.
Inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, SAGA WELCO insurge pelas vias do Recurso Especial, sendo este inadmitido pelo Presidente da Seção de Direito Privado, desembargador Dimas Rubens Fonseca. Contra essa decisão, dirigiu Agravo em Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça que, sob relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, conheceu do agravo para conhecer parcialmente do Recurso Especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento e majorar os honorários sucumbenciais para o patamar de 15% (quinze por cento) em favor do advogado da parte recorrida, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.