A Antaq não acolheu o pedido do recurso da Logística Brasil e do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil CECAFÉ), feito há mais de um ano, para reformar o Acórdão nº 120/2023, que determinou, por quatro votos a um, o arquivamento da proposta de metodologia para identificar abusividade no preço da sobre-estadia de contêiner (demurrage e detention), na reunião de diretoria de 16/05/2024.
Isso se deu apesar das entidades acima e várias outras associações nacionais e regionais de usuários terem apoiado o recurso e levado mais de vinte casos nos quais os valores são imódicos, muitos deles com valor superior ao da carga e mais de vinte mil ações tramitarem no Poder Judiciário. São mais de 10 milhões de TEUs movimentados por ano, sem que a Antaq saiba, ainda, quais valores estão sendo cobrados, apesar da enorme assimetria de informação entre o valor cobrado pelo transportador e aquele do agente intermediário e os prazos de free time, que são diferentes. Espera-se que a decisão recente avance na regulação ex ante e no monitoramento dos valores, condições e práticas.
Mesmo assim, o voto do relator Diretor Lima Filho sinalizou que vai continuar na busca da proteção do direito dos usuários, da seguinte forma:
O Colegiado concluiu unanimemente que as informações fornecidas durante o processo são insuficientes para justificar uma intervenção regulatória neste momento, embora não se descarte uma futura revisão da decisão, caso seja claramente demonstrada a existência de uma falha de mercado.
O fato de a Agência não ter seguido a recomendação do AIR e não ter aprovado a metodologia de análise de abusividade na cobrança de demurrage de container não implica que ela negligenciará sua função de analisar os casos que lhe são submetidos. A Agência possui autoridade suficiente para requisitar quaisquer informações que considere relevantes para sua análise.
Diante das evidências apresentadas, é imperativo que a ANTAQ amplie o escopo de sua análise regulatória para incluir explicitamente os agentes intermediários e transitários. As práticas de cobrança de sobre-estadia por esses agentes têm impactos significativos sobre a eficiência e equidade no setor de transporte marítimo, podendo levar a situações de abusividade que afetam a competitividade do mercado brasileiro.
Apesar de ter não acolhido o pedido de criação de uma metodologia, o voto do relator ressaltou que:
(...) o tema não está esgotado. Esta agência deverá colher dados de forma contínua para identificar padrões de cobrança abusiva. Similarmente, as recentes regras estabelecidas pela FMC/EUA evidenciam a universalidade do problema e podem enriquecer nossas análises. Recomendo que, após a apreciação dos dados coletados, incluindo a análise dos agentes intermediários, o tema seja reapresentado à Diretoria Colegiada em um prazo máximo de 180 (cento e oitentas dias), com um diagnóstico mais preciso.
Além disso, determinou que a Superintendência de Regulação, em complemento à determinação contida no item 5.3 do Acórdão nº 120/2023 elabore, no prazo de 30 (trinta) dias, um plano de trabalho para a implementação de uma base de dados que englobe não apenas os transportadores marítimos, mas também os agentes intermediários, para fins de acompanhamento do comportamento de mercado na cobrança de demurrage, devendo submeter o tema à Diretoria Colegiada, no prazo máximo de 180 (cento e oitentas dias), com um diagnóstico mais preciso.
A decisão determinou, ainda, que a Superintendência de Regulação considere na Avaliação do Resultado Regulatório (ARR) referente à Resolução nº 62/2021, atualmente em tramitação, a necessidade de aumentar a transparência nas atuações dos agentes intermediários e as recentes inovações regulatórias internacionais, como a Final Rule publicada pela Federal Maritime Commission (FMC) dos Estados Unidos.
Segundo alguns embarcadores ouvidos, trata-se de uma luta que se iniciou em 2013, através de várias denúncias, quando não havia qualquer normativo para garantir o serviço adequado ao usuário diante das práticas abusivas, que ainda ocorrem quando se trata de demurrage e detention.
As primeiras denúncias de usuários exigindo eficiência, transparência, modicidade e previsibilidade nas cobranças desse instituto foram feitas pela USUPORT RJ, atual Logística Brasil, que culminaram na edição da Resolução Normativa nº 18/2017, alterada pela Resolução nº 62/2021, que trata dos direitos e deveres dos usuários, do transportador marítimo e do agente intermediário.
Consultadas através do advogado Osvaldo Agripino, do Agripino & Ferreira, a Logística Brasil e o CECAFÉ, que vêm liderando há mais de dez anos a defesa de um ambiente com maior segurança jurídica, “a Antaq, apesar de não ter acolhido o pedido do recurso, avançou em vários temas, como a inclusão do agente intermediário, a criação de banco de dados e o monitoramento das práticas de demurrage e detention”.
O advogado, que é professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali desde 2004, e convidado do International Maritime Law Institute, da IMO-Malta, desde 2012, pesquisou a análise comparativa da regulação marítima e portuária nos EUA e Brasil, no Mossavar-Rhamani Center for Business and Goverment da Kennedy School of Government da Harvard University, em 2007-2008, apontou no seu relatório de Pós-Doutorado, publicado no livro Direito Regulatório e Inovação nos Transportes e Portos nos Estados Unidos e Brasil, prefácio do Prof. Ashley Brown – HU, Conceito Editorial, 2009, 410 p, a inexistência de norma para equilibrar os interesses do transportador marítimo, agente intermediário e usuário, pois o Código Comercial de 1850 e o Código Civil não tratam do tema.
Para ele, “temos observado uma curva de aprendizado na Agência e maior abertura para análise de casos concretos que, eventualmente, possam atingir valores abusivos, o que demandará maior comprometimento dos usuários na defesa dos seus direitos, de um lado, e análise por parte da Antaq, para que a modicidade seja observada, de outro lado.”
Segundo Osvaldo Agripino, ex-piloto de navios mercantes no longo curso, que organizou o livro Teoria e Prática da demurrage de contêiner, prefácio Prof. Dr. Norman Augusto Martinez Gutierrez (IMO-ILMI), Aduaneiras, 2018, 389 p., e atua no setor há quarenta e três anos, sendo trinta anos como advogado, “Infelizmente, a quase totalidade dos usuários ainda desconhece as possibilidades da agência para garantir os seus direitos e o Poder Judiciário, de primeiro e segundo graus, precisa ser mais deferente à regulação setorial, tal como o STF e o STJ. Continuo muito cético, mas vejo avanços”.
Dr. Osvaldo Agripino, advogado, sócio do Agripino & Ferreira (www.agripinoeferreira.com.br). Pós-Doutorado em Regulação de Transportes e Portos, Kennedy School of Government, da Harvard University