Osvaldo Agripino – Advogado (UERJ, 1992),
sócio do Agripino & Ferreira Advogados –
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É um privilégio ter publicado pela gigante da logística de comércio exterior, a Aduaneiras, o meu livro Direito Portuário e a Nova Regulação,[1] 3ª. edição, 598 p., revista, atualizada e ampliada, de acordo com a Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019), Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) e Lei do BR do Mar (Cabotagem) – Lei nº 14.301/2022.[2]
O Direito Portuário (Port Law – Derecho Portuario – Droit Portuaire) comparado vem sofrendo transformações, especialmente pelas demandas de maior eficiência e sustentabilidade que a tecnologia e o aumento constante da capacidade dos navios impõem aos países que usam os portos e os terminais portuários para a conectividade da sua economia e, por sua vez, da globalização econômica.
Nesse contexto, não poderia ser diferente no Brasil, uma vez que o Direito Portuário vem sofrendo grandes alterações desde a edição da Lei dos Portos (Lei nº 8.630/1993), já revogada pela Lei nº 12.815/2013, pelo menos no aspecto formal, em face da ineficiência de parcela das instituições que o implementam, especialmente em face da perda do poder deliberativo do Conselho de Autoridade Portuária, uma espécie de agência reguladora no âmbito do porto organizado, que passou a ser consultivo, com a edição na Lei nº 12.815/2013.
Ressalte-se que a Lei Nacional dos Portos, que vem contribuindo sobremaneira para o aumento do investimento privado no setor portuário, sofreu alterações pela Lei nº 14.047, de 24 de agosto de 2020, que dispõe sobre medidas temporárias para enfrentamento da pandemia da Covid-19 no âmbito do setor portuário; pela Lei nº 14.273, de 23 de dezembro de 2021 (Estabelece a Lei das Ferrovias) e pela Lei nº 14.301, de 7 de janeiro de 2022 (Institui o Programa de Estímulo ao Transporte de Cabotagem – BR do Mar).
Verifica-se, também, o aumento da verticalização portuária, decorrente da aquisição de operações portuárias por armadores dentro e fora do porto organizado, fenômeno mundial que merece maior atenção por parte do regulador e dos órgãos de defesa da concorrência. Esse tema polêmico é tratado no Capítulo 2.1.4.
Não há, portanto, como tratar da competitividade e da sustentabilidade da matriz de transportes sem priorizar a eficácia da política setorial dos portos.
Paradoxalmente, verificamos, ainda, um enorme hiato entre o mundo da economia (mercado) e a eficácia da regulação portuária, que deve priorizar o interesse público, que não deve ser confundido com o direito da administração pública. Afinal, a administração não pode violar direitos fundamentais.
Nesse cenário, surge o Direito Portuário, uma das mais antigas e tradicionais disciplinas jurídicas, considerada autônoma, e que tem como objeto regular as atividades que se dão no porto (público e privado) e a partir do porto.
Deve-se lembrar que a partir de junho de 2001, tal como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, por meio da Federal Maritime Commission, com a edição da Lei nº 10.233/2001, a atividade portuária brasileira conta com uma agência reguladora especializada para regular e desenvolver o setor portuário e o transporte aquaviário (doméstico e internacional),[3] pela interdependência das atividades, a Antaq.
Ademais, desde a primeira edição da obra Direito Portuário, Regulação e Desenvolvimento, em 2010, 474 p., elaborada à luz da Lei nº 8.630/1993, revogada pela Lei nº 12.815/2013, organizada juntamente com o Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold (in memoriam, 2022) e da primeira edição do Direito Portuário e a Nova Regulação, publicado em 2015, temos tentado revigorar o Direito Portuário brasileiro e sustentado que a sua eficiência depende da eficácia da regulação setorial da Antaq, que deve ser empoderada, independente e autônoma, em cooperação com o Cade e o Ministério Público, bem como associações de terminais e usuários.
O mesmo se dá com o Direito Marítimo, cujo objeto é regular as relações jurídicas que se dão no navio e a partir do navio e, portanto, o transporte aquaviário. Ademais, o setor é dinâmico e não pode (deve) esperar a morosidade do Congresso Nacional para que possa regular por meio de lei. Por isso, o poder normativo da Antaq, por meio de Resoluções, desde que observado o marco regulatório do setor.
O meu caríssimo amigo Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold (in memoriam, 2022) me honrou nessa obra com uma introdução denominada Percepção Panorâmica do Novo Direito Portuário Brasileiro e a editora Aduaneiras, com o convite para atualizá-la e fazer a terceira edição, em 2023, oito anos após a primeira edição. Nela, o experiente professor e advogado inova com teses e um olhar acadêmico que incentiva os estudiosos para iniciarem e aprofundarem suas pesquisas nessa relevante disciplina jurídica.
Diante desses argumentos, à luz da Reforma Portuária criada pelo governo federal, com início em 05/12/2012, por meio da edição da MP nº 595, e à luz da Teoria do Direito e Desenvolvimento,[4] aqui considerada como disciplina que tem como objeto aperfeiçoar o ambiente institucional onde se dá o desenvolvimento portuário, apresento em breves notas a obra, que é composta de:
i) uma Introdução Especial do Prof. Dr. Pasold que, com mais de 50 anos de docência e advogado, é o professor que dividiu comigo, até 2021, as responsabilidades do Direito Portuário no Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali, por mais de quinze anos;
ii) Prefácio do eminente advogado e Prof. Dr. Egon Bockmann Moreira, da UFPR; e
iii) seis capítulos de minha autoria.
A teoria de base, que permeia a obra aqui apresentada, é que norteia o Direito e Desenvolvimento, onde o ambiente institucional, aqui considerado como aquele que permite a produção, interpretação e aplicação do marco regulatório, tem papel fundamental para incentivar o desenvolvimento do setor portuário.
Nesse sentido, cabe a lição do economista Paulo Gala, com base na teoria do historiador econômico e ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1993, Douglass C. North:
O trabalho de Douglass North representa hoje uma referência essencial para a pesquisa voltada ao crescimento econômico e para o corpo do conhecimento da economia como um todo. A partir da publicação de Institutions, Institutional Change and Economic Performance, em 1990, e da obtenção do Prêmio Nobel de 1993, North passou a ser leitura obrigatória para todos que se interessam em estudar o desenvolvimento das economias no longo prazo e, mais especificamente, os determinantes “da riqueza e pobreza das nações”. Seu approach, como sugere o título de sua principal obra, é institucionalista. [...] O marco da mudança de seu enfoque está no texto Sources of Productivity Change in Ocean Shipping, 1600-1850 (Goldin, 1994. p. 8). Nesse estudo, North encontra um resultado curioso: o aumento da produtividade da indústria de transporte oceânico no período analisado decorreu muito mais de inovações e evoluções institucionais, entre as quais a redução da pirataria, do que das mudanças na tecnologia de transporte. Uma evolução institucional pareceu ser mais importante do que uma evolução tecnológica.[5]
Mas se o porto depende de normas que, por sua vez, são produzidas, interpretadas e implementadas por instituições, dentre as quais, Congresso Nacional, Antaq, Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA), do atual Ministério de Portos e Aeroportos, Conselho de Autoridade Portuária, Cade, Companhias Docas e Poder Judiciário, é pertinente abordar o seu desenvolvimento à luz da regulação setorial independente. Assim, para atingir esse escopo, esse tema será tratado no Capítulo 1.
O ambiente institucional no qual se dá a regulação setorial independente, à luz do Direito e Desenvolvimento, é tratado no mencionado capítulo como forma de contribuir para melhorar a regulação do setor portuário, pois a Antaq vem numa curva de aprendizado para combater operações logísticas que violam direitos dos usuários e dos prestadores de serviços.
De um lado, temos observado avanços na segurança jurídica proporcionada pelo Poder Judiciário (pelo menos a partir da 2ª instância) e, especialmente, o STF e o STJ, que compreendeu a relevância do papel das agências reguladoras, especialmente acerca do poder normativo por meio de Resolução, conforme abordado no item 1.2.1.
Por outro lado, o Congresso Nacional e o Poder Executivo (nos três níveis de governo), precisam aumentar a eficácia institucional que a teoria regulatória exige para melhorar a performance dos setores regulados pelas agências reguladoras setoriais.
Por sua vez, além dos aspectos políticos e criminais, não há como tratar de regulação do setor portuário sem abordar a regulação econômica dessa atividade. A importância do ambiente institucional para a economia foi tratada na minha tese de Doutoramento em Direito e Desenvolvimento na Universidade Federal de Santa Catarina, por meio da análise comparativa dos sistemas judiciais norte-americano e brasileiro e seu impacto no desenvolvimento social.
A tese, após quatro anos de pesquisas, foi defendida em agosto de 2001 e teve período de pesquisas de um ano na Stanford Law School, em 2000, como Visiting Scholar, sob a orientação do Prof. Dr. Lawrence Friedman, referência mundial em Law and Development e Presidente da Law and Society Association (1979-1981).
Os estudos prosseguiram na pesquisa de Pós-Doutoramento na Kennedy School of Government, da Harvard University, em 2007/2008, na qual fiz a análise comparativa de 22 elementos determinantes das agências reguladoras de transportes marítimos e portos e de transporte aéreo dos Estados Unidos e Brasil, quais sejam, FMC e Antaq e FAA e Anac.[6]
A pesquisa envolveu a participação em seminários de regulação econômica, e foi implementada sob supervisão dos professores Ashley Brown (especialista em regulação de energia, considerado o setor onde a regulação é mais complexa) e Dr. José Gómez-Ibáñez (economista dos transportes), ambos reconhecidos internacionalmente pela excelência acadêmica.
Considerando-se o importante papel que os portos possuem no desenvolvimento das nações e, por sua vez, da economia mundial,[7] o objetivo da obra apresentada é divulgar o resultado das pesquisas e ações que contribuam para o aprimoramento do conhecimento dos aspectos jurídicos que envolvem o Direito Portuário e o desenvolvimento dos portos na perspectiva regulatória e da regulação econômica, com ênfase na defesa da concorrência.
Esses temas, portanto, são abordados no Capítulo 2, que explora, inclusive, a possibilidade de atuação e cooperação do Cade e da Antaq, por meio de competências complementares.
Em seguida, no Capítulo 3, discorro sobre os principais aspectos jurídicos que envolvem concedente e concessão portuária na Lei dos Portos, bem como da Teoria Geral das Concessões e do Decreto nº 8.033/2013, que regulamenta a citada lei, alterado pelos Decretos nºs 8.464/2015, 9.048/2017 e 10.672/2021.
No mesmo capítulo trato do problema da captura, fenômeno que deve ser evitado e combatido, especialmente pela agência reguladora, em face dos danos que causa ao interesse público do setor regulado, especialmente quando há assimetria e indústria de rede, tal como o transporte marítimo e a atividade portuária.
Na sequência, no Capítulo 4, trato do arrendamento portuário, da licitação e das instalações portuárias, assim como do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Nesse capítulo, abordo as competências do Ministério de Portos e Aeroportos, atual poder concedente, da Antaq e da administração do porto (Autoridade Portuária), assim como da Autoridade Marítima e da Autoridade Aduaneira.
Numa obra jurídica que trata da atividade portuária, com altos valores envolvidos na movimentação e operação portuária, o tema da responsabilidade civil e administrativa não poderia ficar à margem. Assim sendo, nos Capítulos 5 e 6, o Direito Portuário, pela grande interdependência entre as duas disciplinas, é tratado juntamente com o Direito Marítimo.
Assim, no Capítulo 5, abordo a responsabilidade civil da atividade portuária, inclusive no direito argentino, bem como a limitação no transporte marítimo, considerado um dos temas mais controversos do Direito Marítimo, com grande repercussão na esfera portuária.
Ademais, a limitação da responsabilidade é tema desconhecido do Direito Portuário brasileiro, de modo que, tendo em vista a pesquisa que realizei durante três anos com o Prof. Dr. Norman Augusto Martínez Gutíerrez, nomeado Diretor do International Maritime Law Institute, da IMO/ONU, a partir de 2022, um dos maiores especialistas do mundo na matéria, com apoio da Capes e do PPCJ da Univali, percebi que seria relevante abordá-lo.
Além disso, trato de temas pouco explorados como a arribada e omissão de porto, que são institutos diversos, mas que, em regra, geram responsabilidades para o transportador marítimo, e não para os terminais ou usuários.
Por fim, no Capítulo 6, em face da interdependência entre o Direito Marítimo e o Direito Portuário, discorro sobre a arbitragem marítima e portuária, suas características principais e possibilidades de uso para reduzir os custos de transação no setor portuário.
Ressalto, ainda, que a execução desse projeto abrange uma série de seminários no PPCJ/Univali, no Mestrado e Doutorado em Direito Marítimo Internacional da IMO, em Malta, consultoria jurídica, interface com os técnicos do Labtrans e do Mestrado em Engenharia de Transportes e Gestão Territorial da UFSC, onde lecionei e orientei (2014-2021), aulas, cursos e seminários no Brasil e no exterior, e a publicação de artigos jurídicos tratando de vários aspectos da atividade portuária.
Esta obra é fruto de mais de 40 anos de atuação nos setores portuário e marítimo, primeiro como Oficial de Náutica da Marinha Mercante, tendo pilotado durante quatro anos vários tipos de navios, quando pude viajar para 27 países e operado em mais de 65 portos e, desde 1992, como advogado e professor universitário.
O livro é um texto sincero escrito por quem com humildade transita nos portos desde 1981 e acredita na possibilidade de que possamos ter uma infraestrutura marítima e portuária à altura da economia e do potencial do Brasil. Pretende ser um livro imparcial, mas ressalto que não há ciência neutra.
Ainda, tive dúvidas se, ao publicar essa 3ª. edição dez anos após a conversão da MP nº 595/2012 na Lei nº 12.815/2013, ainda manteria o adjetivo novo no título da obra. Refleti e entendi que, em face do dinamismo e da quando quantidade de normas e decisões que tratam do tema portuário, resolvi manter o novo. A opção se justifica em face da contínua modificação do Direito Portuário e da sua regulação, o que justifica a manutenção do adjetivo.
Assim, acredito que os temas abordados nesta obra, ora apresentada, podem contribuir para o aumento da eficácia do Direito Portuário e Direito Regulatório que o ajudar a implementar, bem como para a eficiência da infraestrutura do comércio exterior e, por sua vez, inclusão competitiva e soberana da economia brasileira no comércio internacional.
É preciso, enfim, inovar, para desenvolvermos um modelo de engenharia institucional, com forte incentivo do direito como dever-ser, para melhorar a regulação do setor portuário e, por sua vez, conduzir o Direito Portuário brasileiro à juridicidade em benefício do interesse público que merece.
Osvaldo Agripino – Advogado, sócio do Agripino & Ferreira, Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos, Harvard University – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.