O debate sobre o futuro do Porto de Santos voltou ao centro da agenda nacional.

Entretanto, entre acusações infundadas, divergências políticas e diagnósticos equivocados, um ponto permanece cristalino: não existe problema de concorrência entre armadores. O verdadeiro gargalo é a falta crítica de infraestrutura.
E os números, as evidências e a realidade operacional não deixam dúvidas.
Concorrência existe, e muita. O que falta é porto.
Hoje, quem utiliza o Porto de Santos encontra um ambiente altamente competitivo. Nada menos que 15 grandes companhias de navegação disputam fretes internacionais diariamente:

Inclusive, serviços operados pela MSC em Santos são realizados em parceria com outros armadores, onde todos possuem acesso igualitário aos slots. É concorrência pura, aberta e constante, como ocorre nos maiores hubs portuários do planeta.
E mais:
os terminais de Santos atendem todos os armadores, sem distinção.
Não há barreiras, não há discriminação, não há restrição.
Como funcionam as parcerias operacionais?
As parcerias operacionais, conhecidas como Vessel Sharing Agreements (VSAs), são frequentemente mal interpretadas. O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) reconheceu que os VSAs geram importantes eficiências econômicas, como a racionalização do espaço utilizado nas embarcações e a redução da capacidade ociosa. Em uma operação em parceria, todos os armadores concorrentes possuem slots disponíveis.
No caso da MSC, são 9 serviços em que MSC opera no Brasil, via Porto de Santos, 6 deles acontecem em parceria com outros armadores concorrentes (18 navios da MSC contra 23 navios dos parceiros nesses 6 serviços em parceria com Hapag Lloyd, ONE e Maersk).

OS TERMINAIS DE SANTOS ATENDEM TODOS OS ARMADORES INDISCRIMINADAMENTE.
📉 O Custo Absurdo da Inação: O Colapso Estrutural
O verdadeiro problema de Santos é a insuficiência grave de berços de atracação. Desde 2013, a falta de oferta de novas áreas fez com que a demanda consumisse toda a capacidade.
O resultado é um colapso estrutural:
- Saturação: A taxa de ocupação em Santos ultrapassou 90% em diversos períodos recentes, quando o limite ideal para evitar filas é de cerca de 65%.
- Filas Disparam: O tempo médio de espera dos navios saltou de 8,9 horas em 2019 para uma média anual de 36,4 horas em 2024, atingindo 53 horas em dezembro de 2024.
- Prejuízo ao País: Um navio parado na fila, aguardando infraestrutura pública disponível, custa R$ 1,6 bilhão por ano aos usuários, sem contar os aumentos de frete.

Esse valor recai diretamente no custo Brasil e reduz nossa compe vidade internacional. Quem paga essa conta é o exportador, o importador e o consumidor brasileiro. Isso não é teoria: é matemá ca.
Acusações sem base técnica já foram refutadas
Denúncias repetidas recentemente e agora ressuscitadas em votos divergentes no TCU, já foram investigadas pelo CADE, com profundidade, método e análise científica.
O resultado foi categórico: não há prática anticoncorrencial entre armadores ou terminais em Santos.
A experiência norte-americana na pandemia reforça o ponto: quando o mundo enfrentou congestionamento global e alta explosiva nos fretes, o governo dos EUA investigou formalmente armadores e terminais, concluindo que a causa do caos não era conduta comercial, mas falta de capacidade na infraestrutura.
Diagnósticos feitos por intuição, e não por ciência, produzem decisões erradas e desastrosas.
Por que navios estão omitindo Santos, e por que isso não é má-fé
Navios de linha funcionam como ônibus internacionais: precisam cumprir horários em diversos portos.
Quando Santos atrasa por dias, omitir a escala é uma necessidade operacional, não um abuso.
É tão injusto culpar o armador por isso quanto seria culpar um motorista de ônibus por um bloqueio na avenida.
O problema não é o transportador.
O problema é que o porto trava.
E o mais grave: São os próprios armadores e usuários que há anos alertam o governo sobre o risco sistêmico da falta de berços.

O modelo landlord brasileiro: responsabilidade direta do Estado
No modelo de gestão portuária brasileiro, o Estado é o “landlord” — é ele quem deve garantir infraestrutura, licitar novas áreas e ampliar a capacidade.
Armadores e terminais não criam berços.
Eles apenas operam nas áreas que o Estado disponibiliza.
E, no caso de Santos, o Estado simplesmente não entregou nada de relevante em mais de uma década
O milagre diário: o porto só funciona por heroísmo operacional
Mesmo com capacidade esgotada, Santos continua crescendo — não por mérito da infraestrutura pública, mas graças a operações extraordinárias feitas a custo altíssimo pelos próprios operadores.
Entre elas:
a) Operações com navios de 366 metros
Santos não deveria receber embarcações desse porte com segurança total. Ainda assim, recebe — apoiado por simulações avançadas, manobras especiais, múltiplos rebocadores e coordenação da Marinha.
Sem isso, o porto já teria parado.
b) Operação “Um pelo Outro”
Para reduzir 1 a 2 horas entre atracações, navios entram no canal com outro ainda operando.
É uma manobra complexa, arriscada — e absolutamente incomum em portos modernos.
c) Guindastes de mais de R$ 100 milhões parados em standby
Terminais como a BTP compraram equipamentos bilionários para ficarem de reserva, garantindo redundância caso um guindaste falhe.
É uma solução artificial para compensar a ausência de expansão pública.
O fato é simples:
Santos só funciona graças a soluções improvisadas e caríssimas.
A conta não fecha: faltam berços agora e faltarão ainda mais no futuro
Hoje, Santos opera com 9 berços de contêineres:
3 da BTP
4 da Santos Brasil
2 da DP World
Para operar com eficiência internacional, seriam necessários + 4 berços imediatamente.
E quando o STS-10 entrar em operação — em 2034 — ainda faltará capacidade adicional.
O déficit é estrutural. E cresce.
O caso BTP
Como o Estado se recusava a ofertar área, os armadores tiveram que transformar cinco contratos de combustíveis em um terminal de contêineres. Um desses contratos nem aceitou o acordo e está inoperante até hoje, 12 anos depois. A área era um lixão a céu aberto, e a recuperação feita pelos armadores tornou-se a maior obra ambiental da América Latina.
O caso DP World
A DPW nasceu como um terminal privado, fora do porto organizado, porque a APS não oferecia área nenhuma. E, mesmo assim, a legislação da época proibia a operação de contêineres. A empresa só pôde operar após uma mudança legal em 2013 (conquistada com enorme esforço político). Ou seja, a APS foi travadora, não promotora, da expansão.
Conclusão: não é mercado. É capacidade. E 2034 é tarde demais.
O diagnóstico final é direto:
Não existe problema de concorrência no Porto de Santos. Existe um problema gigantesco de infraestrutura, causado pela omissão do Estado. Quem mantém o sistema vivo são justamente usuários, terminais e armadores — os mesmos que agora são acusados injustamente.
Culpar quem investiu e operou milagres logísticos não é apenas errado.
É inverter a realidade e condenar o país a mais nove anos de atraso.
O Brasil não pode esperar até 2034.
Os usuários não podem.
Os transportadores não podem.
E o Porto de Santos, muito menos.
O problema do Porto de Santos não é mercado.
O problema é capacidade.
E só o Estado pode resolver.

