Quinta, 18 Abril 2024

* por Renato Vilela da Cunha e Janaína Furlanetto

 

Numa análise superficial, pode-se definir RIPEAM como o conjunto de regras que regula o trânsito de embarcações em mar aberto e em todas as águas a este ligado, no âmbito internacional.

 

Com efeito, pode-se definir ainda sob a ótica técnico-jurídico, RIPEAM como o conjunto de regras sistemáticas e regulamentares, positivadas internacionalmente pelos países signatários, para que se evite abalroamentos no mar.

 

O tema admite inúmeros conceitos, eis que estes emanam do íntimo de cada pessoa ligada ao assunto. Por outro lado, as regras constantes do RIPEAM são em sua maioria taxativas, não admitindo interpretações mais extensas.

 

Evolução histórica do RIPEAM

O 1º REGULAMENTO INTERNACIONAL PARA EVITAR ABALROAMENTOS NO MAR foi estabelecido na Conferência Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar iniciada em Londres, em 17 de maio de 1960.

 

Alguns anos depois, o RIPEAM de 1960, foi revisto e atualizado durante outra Conferência Internacional realizada em Londres e, concluída em 20 de outubro de 1972.

 

O novo texto do RIPEAM foi aprovado pelo Brasil, através do Decreto Legislativo nº 77 de 1974, com o novo regulamento vigorando desde 15 de julho de 1977.

 

Outras convenções internacionais

No âmbito internacional, existem outras regras paralelas ao RIPEAM que, num panorama genérico, agrega valores e abrange outros temas relevantes a navegação, aperfeiçoando a sistemática no mar e mitigando as possibilidades de abalroamentos entre navios. São elas: 

a) CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE ABALROAMENTO, assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1910 e, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 10.773 de 18 de fevereiro de 1914.

b) CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE ASSISTÊNCIA E SALVAMENTO MARÍTIMO, firmada em Bruxelas em 27 de setembro de 1910 e, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 10.773 de 18 de fevereiro de 1914.

c) CONVENÇÕES DE BRUXELAS DE 1952 - Promovida pelo COMITÊ MARÍTIMO INTERNACIONAL:

 

I - CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A UNIFICAÇÃO DE CERTAS REGRAS RELATIVAS À COMPETÊNCIA CIVIL EM MATÉRIA DE ABALROAMENTO 

II - CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A UNIFICAÇÃO DE CERTAS REGRAS RELATIVAS À COMPETÊNCIA PENAL EM MATÉRIA DE ABALROAMENTO

III - CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A UNIFICAÇÃO DE CERTAS REGRAS RELATIVAS AO ARRESTO DE NAVIOS EM ALTO MAR [1]


A primeira secção do RIPEAM dispõe principalmente sobre Vigia, Velocidade de Segurança, Risco de Abalroamento, Manobras para evitar abalroamento etc., do qual destacamos a seguinte regra:

 

Regra 9 - Canais estreitos 

 

Todo navio deve navegar tão perto quanto possível do limite exterior do canal ou da via de acesso que lhe ficar por estibordo.

 

Na segunda secção do RIPEAM que dispõe exclusivamente de procedimentos para evitar abalroamento quando dos navios à vista uns dos outros, destacamos as seguintes regras.

 

Regra 12 - Navios à vela

 

Quando dois navios à vela recebem o vento por bordos diferentes, aquele que o receber por bombordo deve desviar-se do caminho do outro (a). Ainda, quando os dois navios recebem o vento pelo mesmo bordo aquele que estiver a barlavento deve desviar-se do caminho daquele que estiver a sotavento (b).

 

Regra 13 – Navio que alcança

 

 

 

 

O navio alcançador desvia-se do outro.

 

Regra 15 – Navios em rumo cruzado

 

 

  

O navio que vê o outro por estibordo afasta-se do caminho.

 

Nas seções seguintes o RIPEAM traz as regras de Luzes e Uso de Sinalização, cabe ressaltar que este estudo não dispensa a leitura integral do RIPEAM para uma análise completa das regras expostas. [2]

  

Abalroamento e o RIPEAM

Segundo o conceito comumente adotado ABALROAMENTO é o choque de dois navios [3] que navegam ou suscetíveis de navegar.

 

Contudo, mais acertado será definir como o choque entre dois ou mais navios que não estejam ligados entre si por algum vínculo contratual. Daí os requisitos para a abalroação:

 

* Que haja encontro material entre os dois navios;

* Que só há abalroação entre navios;

* Que entre os navios que se chocam não haja vinculo contratual. [4]

 

Abalroação quanto à causa

Dentre os diversos doutrinadores sobre a matéria, é unânime o entendimento de que são duas as causas do abalroamento [5], quais sejam:

 

Fortuita é aquela que independe da ação humana para ser levada a efeito. Tal hipótese vislumbra-se especialmente no trato as condições do mar e do tempo, uma vez que é cediça a força da natureza em detrimento da pequenez do homem.    

 

Culposa – esta hipótese que é foco do tema estudado, ao revés da anteriormente comentada, está intrinsecamente relacionada com o homem, no caso em comento os capitães, tripulantes etc., que de alguma forma (ação ou omissão), age ou concorre na realização de um evento danoso, no caso, o abalroamento.

 

Isto posto, vê-se que a culpa (negligência, imperícia, imprudência) reflete, no contexto deste trabalho, essencialmente, o não cumprimento de alguma ou algumas das regras inerentes ao RIPEAM.

 

No Brasil, o Decreto nº 2596, de 18 de maio de 1998 - RLESTA, Regulamenta a Lei no 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional.

 

O referido decreto (RLESTA) em seu artigo 23, traz o rol taxativo das hipóteses de infrações às normas de tráfego aquaviário. Dentre elas destaca-se o disposto no inciso IV, vejamos:

 

Art. 23. Infrações às normas de tráfego:

IV - descumprir regra do Regulamento Internacional para Evitar Abalroamento no Mar - RIPEAM:

Penalidade: multa do grupo D ou suspensão do Certificado de Habilitação até sessenta dias.”

 

Portanto, se ocorrer um abalroamento entre navios, dentro ou fora do território nacional, na modalidade culposa, estamos falando indubitavelmente em descumprimento do RIPEAM. Este descumprimento pode ser tanto pelo capitão como também pelo pessoal de um ou de ambos os navios.                                              

Tribunal Marítimo

No Brasil, o Tribunal Marítimo é o órgão competente para apurar a culpa em abalroamentos que envolvam navios mercantes brasileiros, ainda que em alto-mar ou em águas territoriais estrangeiras.

 

Assim, no caso de apuração pelo Tribunal de culpa decorrente de abalroamento, poderá este se valer de todos os meios em direito admitidos para constatar e provar, (prova testemunhal e documental) a culpa por imperícia, negligencia ou imprudência do capitão ou do pessoal de um ou de ambos os navios. E caso isso ocorra estará os responsáveis incorrendo necessariamente no disposto do artigo 23, IV do Decreto nº 2596, de 18 de maio de 1998 – RLESTA, ou seja, conforme já dito, estaremos nitidamente de frente a uma hipótese de descumprimento das Regras Internacionais Para Evitar Abalroamento no Mar - RIPEAM.                                

 

Bibliografia
MONTIEL, Luis Beltrán. Curso de derecho de la navegación. Buenos Aires: Astrea, 1976. 525 p.

DANJON, Daniel. Traité de droit maritime. Paris: Librarie Generale de droit et de jurisprudence, 1950.

OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo. Vol. I. Barueri: Manole, 2005. 370 p.

LACERDA, J. C. Sampaio.  Curso de direito comercial marítimo e aeronáutico. 5.ed.  Rio de Janeiro : Freitas de Bastos, 1963. 514 p.

_____________. Curso de direito privado da navegação: direito marítimo. 2.ed.  Rio de Janeiro : Freitas de Bastos, 1974.

_____________. Curso de Direito Privado da Navegação: direito marítimo. 3.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, vol. I, 1984.

 

* Renato Vilela da Cunha é advogado, pós graduado em Direito Marítimo,Portuário e Aduaneiro pela UNISANTOS , sócio-fundador e diretor da Associação Sul-Americana de Direito Marítimo e Portuário; membro da associação Brasileira de direito marítimo, Presidente da comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB sub-seção São Sebastião e Assessor Jurídico da Câmara municipal de São Sebastião (SP). Janaína Furlanetto é advogada, pós graduada em Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro pela UNISANTOS;  sócia-fundadora e diretora da Associação Sul-Americana de Direito Marítimo e Portuário.



[1] Site www.mar.mil.gov.br

[2]  As regras bem como as fotos deste trabalho foram extraídas do site da Marinha do Brasil, www.mil.mar.gov.br.

[3] Conforme ensina OCTAVIANO MARTINS (2005, p. 171) “navio é toda construção flutuante, susceptível a navegar em quaisquer águas, caracterizando, portanto, o navio como veículo de transporte no mar ou em outro espaço aquático”.Ademais assevera a autora “Os elementos flutuabilidade e navegabilidade encontram-se, por conseguinte, intrínsecos ao conceito.”

[4] SAMPAIO DE LACERDA, J.C. Curso de Direito Privado da Navegação.Vol. I, 3ª edição, pág. 249.

[5] Existem outros doutrinadores que sustentam uma 3 causa de abalroamento, “A DUVIDOSA”.  Esta hipótese não indica os reais motivos causadores do abalroamento, ou seja, quando não é possível identificar se houve falha humana ou se um evento da natureza implicou no abalroamento.

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