As duas peças estão na coletânea “Rota rota” (1985), editada em Santos pelo autor e amigos, com capa e ilustrações de Elisa Villares de Freitas. O primeiro, sem título, faz parte da seção Moeda Nacional, com poemas de 1974 a 1976, e começa com um jogo de pergunta e resposta…
homem algum é uma ilha?
algum é
homilha
humilha o elo
duelo bi
de dúbias me ta des
bi
homine o gêmeo:
particularidades …
homem algum é uma ilha?
algum é
… jogo de pergunta e resposta que volta ao final do texto, ensanduichando assim o jogo visual e fonético em que o poeta lida com a dualidade entre ser ou não ser uma ilha, desconhecida ou não.
O segundo poema é outro sem título, de 1979, inserido na seção Observações sobre a criação e a criatura, de poemas escritos entre 1977 e 1980. Com uma epígrafe de Castro Alves, “’stamos em pleno mar!”, o poema se direciona a enfant navire, uma criança navio (ou navio criança, porque meu francês é pouco), esse navio / barco, ainda uma ilha desconhecida a se conhecer:
enfant navire
os teus porões precisam em algum porto
de algumas duchas muita água e creoliina
e o teu velho casco
tão roto da ferrugem e dos choques
de fortes mãos que o lixem asperamente
e o libertem
com carinho
dos moluscos.
teu coração é um duende enfermo e louco
que entre saltos esgares e arquejos
pula bufa e berra
orquestrando o chiado visceral
de tuas máquinas cansadas
e sorri melífluo e maligno
dos silvos do vapor e do mormaço
que te solapam e abafam as entranhas.
vai pois
tremula tua puída bandeira de apátrida!
teu comandante é um pirata atônito
que tem por ti amor e ódio.
te ama
pois conhece a solidão que te aguarda em tua rota
e te odeia
ferozmente
porque naufragará contigo.
enfant navire
tu não temes o mar
meu pequenino velho
nem na borrasca nem ca calmaria
mas sabes há muito que bem sabes
não te ajuda o rebentar de tuas miseráveis máquinas
e tampouco a medrosa embriaguez
deste perplexo corsário
o teu valente comandante.
Será que para chegar à ilha desconhecida é necessária uma rota rota?
Referência
Jair de Santos Freitas. Rota rota. Santos: Edição do autor e amigos, 1985.