Sexta, 17 Mai 2024

* artigo de Daniel Tolentino e Veridiana Toczeki Santos

Os contratos internacionais de trabalho marítimo possuem elementos de estraneidade os quais remetem a utilização de dois ou mais sistemas jurídicos internacionais, gerando conflito das leis trabalhistas no espaço, tratando-se de tema de Direito Internacional Privado.

Com o intuito de preencher a lacuna sobre a legislação a ser aplicada aos trabalhadores contratados no Brasil e transferidos para o exterior, a exceção de Engenheiros e afins, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 207, em 1985, orientação que consagra o princípio “lex loci execucionis”, ou seja, a lei que rege um contrato de trabalho é aquela do local da prestação do serviço e não a do local da contratação (Princípio de Territorialidade).

Contudo, diante das alterações jurídicas e discussões que já vinham acontecendo no meio trabalhista e do crescente cenário de internacionalização do mercado de trabalho brasileiro, em 16.04.2012, a referida Súmula foi cancelada.

Gradualmente, o Princípio da Territorialidade foi sendo substituído pela aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, fonte basilar do Direito do Trabalho, impondo ao operador do direito, na pluralidade de normas, aplicar no caso concreto aquela que mais favorece o trabalhador, independentemente da escala hierárquica da norma jurídica.

Destarte, a tentativa de unificação dos contratos individuais de trabalho, as regras de conexão tende a ser mais usada, pois têm função indicativa e conduzem a interpretação do direito aplicável ao litígio . Desta senda, protegem a soberania e o trabalhador ao mesmo tempo. Assim, evidenciam-se na jurisprudência e na doutrina alguns elementos das regras de conexão, que servem para a resolução de conflitos das normas no espaço: a lex voluntatis, lex loci contractus, lex loci executionis.

A lex voluntatis demanda a escolha por vontade das partes a norma internacional que regerá o contrato, ou seja de que país pertencerá essa norma, o que há muitos anos vigora no âmbito cível através do princípio do pacta sunt servanda e comumente utilizada no direito marítimo quando se trata de comércio. Contudo, ao ser aplicado no âmbito das relações laborais esbarra na ordem pública e na hipossuficiência do trabalhador perante o empregador, relação subordinada onde não se perfectibiliza um equilíbrio isonômico para se aventar a possibilidade de escolha de moldes de contrato de trabalho, como quer CESARINO .

A lex loci contractus está ligada com o lugar da celebração do contrato individual de trabalho, independente de que a prestação seja realizada em apenas um local ou plurilocalizado. O artigo 9º da Lindb aponta que as obrigações contratadas ‘aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem’. Essa regra de conexão tende a ser afastada pela aplicação do Código Bustamante que regulamenta o conflito de leis trabalhistas no espaço e, portanto, perante a sua especialidade a previsão do artigo 9º do referido diploma legal estaria afastado, ou ainda, na necessária harmonização para com o artigo 17º da Lindb, ao passo de que ao tratar de direito do trabalho, a imperatividade se sobressai, invocando-se a aplicação da lex loci executionis.

O local de execução do trabalho é o seu habitat, ou seja, não apenas o meio físico mas, sobretudo, o meio social em que o obreiro está situado e ao qual se liga pelos laços da coexistência. Desta forma, extrai-se que a territorialidade seria uma melhor forma de resolução do conflito, em razão do trabalhador já estar inserido nesse território e a legislação já seria conhecida. Embora mais atraente sua aplicação, esta lei nunca foi soberana, uma de suas exceções é o trabalho marítimo, que tende à aplicação da lei da bandeira.

A lei do pavilhão ou da bandeira estipulada no Código de Bustamante prevê a aplicação para navios ou aeronaves que possui áreas internacionais como grande parte da execução do trabalho. É o princípio que pode ser aplicado aos tripulantes de embarcações, para o trabalho realizado em alto-mar, devendo prevalecer a lei da bandeira, ou matrícula do navio, segundo Carrion , sendo o princípio da territorialidade inócuo in casu, mas o artigo 198 trouxe a proteção social ao trabalhador ao convencionar que a lei a ser aplicada seria a do lugar do acidente. Entretanto, existe um problema na utilização desse elemento de conexão, as chamadas bandeiras de conveniência, quando a bandeira nenhum vínculo tem com o contrato de trabalho, diante das possíveis fraudes constatadas, questão já enfrentada pelos Tribunais Brasileiros que, tem-se relativizado a aplicação da lei da bandeira do navio, eis que normalmente configura-se fraude, com o intuito de burlar a legislação trabalhista brasileira.

O Tribunal Superior do Trabalho, no intuito de definir qual a legislação aplicável aos trabalhadores contratados no Brasil e transferidos para o exterior, excetuado o grupo referido na Lei 7.064/1982 que previa direitos para trabalhadores de serviços de Engenharia desempenharem atividades no exterior aqui contratados ou transferidos, editou a Súmula 207 em 1985, a qual preleciona: “A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação”, consolidando o princípio da territorialidade como chave para solução dos litígios trabalhistas internacionais.

A Súmula segundo PINTO, como regra geral, é aceitável, contudo não esgota as várias hipóteses que podem ocorrer na prática , pois “só tem validade se o serviço for prestado de forma predominante num único país e o empregado não tiver domicílio no Brasil”.

Com a edição da Lei 7.064/82, demonstrou-se extrema preocupação em regular a relação de trabalho entre o empregado contratado no Brasil e também pelo transferido a cargo do empregador nas relações de serviços de Engenharia e atividades afins, até mesmo porque as condições socioeconômicas e de trabalho nos países de destino eram distintas, definindo que ao contratado para trabalho no exterior deve ser aplicada a legislação do local de prestação do serviço (art. 14), e ainda, que ao contratado para trabalho no território nacional, porém, transferido para o exterior, aplica-se a norma laboral mais favorável (art. 3º, II), em que pese a lei do local da execução do contrato.

O Direito do Trabalho, enquanto ramo autônomo do Direito, é orientado pelo Princípio da Proteção, critério fundamental que não tem como propósito a igualdade, mas sim a busca de um resguardo preferente ao trabalhador em uma relação laboral, comportando expressões ou regras como, v.g., a da norma mais favorável pois “determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas” ; o que a própria OIT positivou em 1944 em sua Constituição , eis que o trabalho não é uma mercadoria.

Este o princípio previsto no artigo 3°, II da Lei 7.064, assegurando ao trabalhador todos os direitos do local onde executará os serviços, conforme referido no caput, assim como as normas mais favoráveis prevista na legislação nacional, seja considerado o seu conjunto, seja considerada cada matéria, quando a contratação ocorrer no Brasil e o empregado for transferido, ou ainda, quando parte da prestação de serviços ocorrer em território brasileiro. No final dos anos 90, o legislador apresentou Projeto de Lei exaltando que o Direito do Trabalho deveria seguir o seu destino histórico de internacionalização, postulando a extensão dos direitos existentes na Lei 7.064 para todos os brasileiros que fossem trabalhar no exterior, aqui contratados ou transferidos, ao mesmo tempo em que a jurisprudência entendeu por aplicar para trabalhador de outro ramo que não da construção civil o previsto no artigo 3°, inciso II da Lei de Expatriação, analogicamente, pois nada mais do que o Princípio Protetor trabalhista positivad
o na legislação nacional, em especial no que toca a sua regra de aplicação de norma mais favorável, substituindo de forma paulatina o princípio da territorialidade.

Referido projeto culminou na promulgação de Lei Federal sob o n° 11.962/2009 que alterou o artigo 1° da Lei de Expatriação para referir que “Esta Lei regula a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior”, de maneira que o movimento jurisprudencial veio a ser confirmado pela Seção de Dissídios Individuais I – SDI I do TST em 2011, em um processo que envolveu a atuação de empresas estrangeiras em águas territoriais Angolanas, com a transferência de profissionais do Brasil , culminando com a pacificação do entendimento que acabou por cancelar a redação da Súmula n° 207 após realização de sessão do Pleno do Tribunal (Res. Pres. 181, 16.04 2012), reconhecendo os caminhos adotados pelas decisões de seus órgãos, utilizando-se da analogia para preencher lacunas como autoriza o artigo 8° da CLT até a promulgação da lei 11.962/2009 que estendeu os direitos da lei 7.064 para todos os trabalhadores, e aplicando dito diploma após a sua promulgação.

Não havia mais motivos para a manutenção da súmula, pois a aplicação do Princípio Protetor através de sua regra da norma mais favorável prevalece frente ao princípio da Lex Loci Executionis no Brasil enquanto critério de resolução de conflitos de normas internacionais no espaço, além de perpetrar o afastamento da autonomia da vontade nos Contratos Internacionais eis que somente leva ao desequilíbrio das relações trabalhistas onde de um lado há um hipossuficiente econômico e, de outro, regra geral, um liberalismo econômico a coisificar o ser humano quando, já sabemos, o trabalho não é uma mercadoria.

Há divergência doutrinária quanto à limitação de aplicação do direito mais favorável ao trabalhador em caso de conflitos de leis, pois encontraria limite em um mesmo ordenamento jurídico, sendo vedada a extensão para o plano internacional pois implicaria em dificuldades ao juiz em determinar quais dos ordenamentos é o “mais favorável” não sendo possível submeter uma relação contratual de trabalho a direitos distintos.

Mas conforme a lei 7.064, art. 3°, II, in fine, a legislação brasileira pode e deve ser aplicada quando mais favorável a do local de prestação de serviços, “no conjunto de normas e em relação a cada matéria”, ou seja, de maneira integral entre dois ordenamentos, ou ainda, em relação a cada matéria ou instituto de direito material trabalhista mais benéfico ao empregado, que acumula os direitos que lhe forem mais benéficos, tanto do local da prestação de serviços quanto da legislação nacional.

A previsão do critério da lei do local da prestação de serviços, conforme já visto supra, restou positivada no artigo 14 da Lei da Expatriação, naquelas hipóteses em que o empregado brasileiro é contratado para trabalhar diretamente em empresa estrangeira no exterior, sem prejuízo de outros direitos previstos no Capítulo III da Lei 7.064 como, por exemplo, o pagamento pela empresa das despesas de viagem e retorno do empregado.

Em suma, a lei da bandeira não á absoluta e sofre limitações como quer MALVAGNI , com a lex loci contractus ou pela lex loci executionis, ou ainda, no Brasil, pela Lei da Expatriação e aplicação da norma mais benéfica para os contratos que envolvam brasileiros aqui contratados e transferidos para o exterior ou de que parte da prestação de serviços se dê em território nacional, conforme artigo 3°, inciso II da lei 7.064/1982.

* DANIEL TOLENTINO é Advogado Trabalhista em Porto Alegre e Rio Grande/RS, cursou pós-graduação em Direitos Sociais do Trabalho e Previdenciário – UNIRITTER, é Mestrando em Direito do Trabalho e Seguridade Social – UDELAR/Uruguay e Pós-graduando em Direito Marítimo e Portuário – UNIVALI; VERIDIANA TOCZEKI SANTOS é Advogada em Itajaí/SC, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho – Universidade Anhanguera – UNIDERP, pós-graduanda em Direito Marítimo e Portuário – UNIVALI.

Notas
1 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I: teoria geral. 4ºed, Barueri: Manole, 2013, p. 437.
2 Hipossuficiente é aquele trabalhador economicamente fraco, pois há uma diferença econômica entre os homens, pois não possuem capital, imóveis, maquinaria como os proprietários ou autossuficientes. “Os hipossuficientes estão, em relação aos auto-suficientes, numa situação de hipossuficiência absoluta, pois dependem, para viver e fazer sua família, do produto de seu trabalho.” CESARINO JÚNIOR, Antônio F. Direito Social – São Paulo:LTr, 1980, p.44-45.
3 RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional privado do trabalho: conflito especiais de leis trabalhistas. 2º ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.181.
4 Convenção de Direito Internacional, de Havana (D. 18.871/29), em seus artigos 274, 279 e 282.
5 CARRION, Valentin.Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 37º ed. São Paulo:Saraiva, 2012. p. 32.
6 PERES, Antônio Galvão. Contrato Internacional de Trabalho:Novas perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 157.
7 PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 12 ed. São Paulo: LTr, 2011. p.193.
8 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª ed. – São Paulo: LTr, 2000, p. 107.
9 Artigo 19, numeral 8 da Constituição da OIT, anexo a Declaração da Filadélfia de 1944.
10 PL 3138-A DE 1997 Acessado em 26.03.2013, disponível em: http://www.camara.gov.br
11 (RR-376707/1997.1, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 3.ª Turma, DJ 5/4/2002)
12 (Proc. Nº TST-RR-219000-93.2000.5.01.0019. Ac. SDI-I, Rel Min. Maria Cristina I. Peduzzi, (DJ 07/10/2011)
13 MARANHÃO, Délio et al. Instituições de Direito do Trabalho. Vol I. 22ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 174. O doutrinador anui em verdade com argumento exarado em tais casos por Ernesto Krotoschin em seu primeiro livro intitulado ‘Instituciones de Derecho del Trabajo’, de 1947, vol I, pag 53, mas que este último autor revisa para aplicar a regra da norma mais favorável de forma fracionada, direito a direito, em sua última obra ‘Tratado Práctico de Derecho del Trabajo’, Vol. I, 3ª ed, Buenos Aires: DePalma, 1978, p. 83-84.
14 MALVAGNI, Atilio. Derecho Laboral de la Navegación. Buenos Aires: DePalma, 1949, p. 390.

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