A extinção da estatal Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro completará dez anos em outubro deste ano. Ela foi determinada pelo ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, para dar um fim à crescente dívida, que atingiu níveis dramáticos no final da década de 80 e início dos anos 90, com o arresto (apreensão judicial) de navios.
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A belíssima bandeira do Lloyd Brasileiro usada de 1901 a
1997 era conhecida mundialmente. Acervo: Laire José Giraud
A maior e mais tradicional armadora brasileira foi fundada em 19 de fevereiro de 1890, na República, durante o governo do marechal Hermes da Fonseca. Na segunda década do século XX, a companhia já era a maior do País. Em 1939, por exemplo, tinha frota de 122 navios, que dava ao Brasil a liderança no setor marítimo na América do Sul.
Antes da Primeira Guerra Mundial, o Lloyd dispunha de excelentes navios de passageiros e de cargas também, atuando em linhas para o Prata, para a América do Norte e Europa. Alguns dos nomes da fase: Rio de Janeiro, São Paulo, Acre, Pará, Satélite e Javari.
Torpedeamento
Em 1917, durante a Primeira Guerra, o Paraná foi torpedeado por submarinos alemães em águas da França, o que provocou o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha. Um dos resultados da decisão foi a ocupação dos cargueiros alemães que se encontravam em portos brasileiros.
O São Paulo, lançado ao mar em 1909, fazia a escala de Santos
a Nova Iorque, com escala nos portos da Bahia e Pernambuco.
Acervo: Laire José Giraud
Após a Segunda Guerra Mundial, o Lloyd comprou, nos Estados Unidos e Canadá, os cargueiros da série Nações. Na época, o nome da companhia era aportuguesado, “Loide”, assim como os batismos dos navios: Loide Argentina, Loide Cuba, Loide Honduras, Loide Uruguai, Loide América, Loide Canadá, Loide Brasil, Loide México e Loide Chile, entre outros. Essas embarcações ficaram conhecidas como “Bombas”, porque o desenho lembrava uma bomba. Foram excelentes navios, que navegaram por mais de 20 anos.
Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, o Lloyd perdeu alguns navios da frota, torpedeados por submarinos alemães, todos em 1942, como o Buarque em 16 de fevereiro, o Cairu em 8 de março, o Cabedelo em 4 de abril, o Parnaíba em 1º de maio, o Comandante Lira em 18 de maio, o Gonçalves Dias em 24 de maio e o Alegrete em 1º de junho.
O cargueiro Mandú foi construído pelo estaleiro alemão
Bremer Vulkan em 1911, e recebeu o nome de Posen. Foi
apreendido pelo governo brasileiro juntamente com outros
navios alemães refugiados em portos brasileiros durante a
Primeira Guerra Mundial. O nome Mandú foi dado pela
armadora em 1921. Imagem: Bandeiras nos Oceanos – A
História da Centenária Armadora – 1890 – 1997 de José
Carlos Rossini.
O Lloyd, terminada a Segunda Guerra Mundial, utilizou vários navios para o transporte de pracinhas e refugiados de guerra, entre eles o D. Pedro I, o D. Pedro II e o Barão de Jaceguai.
Transporte nacional - Nos anos 50, na cabotagem, a navegação doméstica, também operavam navios da série “Rios”, como o Rio Ipiranga, Rio Guaíba, Rio São Francisco e Rio Amazonas, entre outros.
O Lóide América era um dos integrantes da série “Nações das
Américas”. Eram conhecidos por “Bombas”, por ser perfil parecer o de
uma bomba. Foram construídos 6 no Canadá e 14 nos Estados Unidos
entre 1947 – 1948. Foram excelentes navios, substituídos pela série
Itas. Acervo: José Carlos Rossini
Ainda na cabotagem, operavam outros famosos navios do Lloyd: Comandante Pessoa, Comandante Capela, Aspirante Nascimento, Atalaia, Alegrete e Duque de Caxias.
Para as linhas internacionais, na década de 60, o Lloyd destacou cargueiros como o Paranaguá, Guanabara, Todos os Santos, Cabo Orange, Cabo de Santa Marta, Presidente Kennedy e Almirante Graça Aranha, que também deixaram marcas na memória de muita gente ligada ao mar.
Santos
Em Santos, o movimento do Lloyd era tão grande, que a companhia utilizava um rebocador para manobrar os seus navios, o Mestre Sebastião, com o objetivo de economizar.
O intenso movimento de navios do Lloyd em Santos propiciava à Cidade um faturamento extra: os tripulantes gastavam dinheiro aqui. Um cargueiro de linha regular chegava a ter 45 tripulantes.
O Cabo Orange fazia parte de um quarteto composto pelos
navios Cabo Frio, Cabo de São Roque e Cabo de Santa Marta,
construídos entre 1959 e 1960 no estaleiro polonês Stocznia
Sczczecinska do porto de Szczecim. Foto: José Carlos Rossini
No maior porto brasileiro, Santos, o Lloyd era representado exclusivamente pela agência marítima Nautilus. O volume de transporte de mercadorias da armadora era imenso, a ponto de se registrar com freqüência mais de dez navios do Lloyd por dia atracados no cais. Nos picos, chegava-se ao número de 17. Era fácil encontrar de quatro a seis embarcações da empresa encostadas no porto.
Sem práticos
No Rio de Janeiro, onde ficava a sede da empresa, a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro contava com um cais próprio, além de não utilizar práticos de porto. Os navios eram manobrados pelos próprios arraes da armadora.
O Guanabara pertencia à série Baía. Foram construídos no estaleiro finlandês
Valmet O/Y de Helsinque, no final da década de 50. Os outros navios eram
Todos os Santos, Turiaçu e Paranaguá. Três deles prestaram serviços ao Lloyd
até 1980. Foto: José Dias Herrera – Acervo: Laire José Giraud
Os serviços regulares do Lloyd abrangiam dez linhas, inclusive o Extremo Oriente, com destaque para o tráfego europeu, para onde mantinha sete saídas mensais, e para os Estados Unidos, para onde partiam seis embarcações por mês.
Na década de 70, vieram os famosos “Itas”, que homenageavam os velhos navios da Companhia Costeira. Eram 14, dos quais 12 foram construídos no Brasil. Entre esses liners (navios de linha regular), podem ser citados o Itapuca, Itagiba, Itaité, Itanagé, Itassucé, Itapura, Itaquatiá, Itaipé e Itapagé.
Os Itas foram construídos entre 1970 e 1972. O Cantuária e o Itaberá, também pertencentes à série, saíram de estaleiros estrangeiros e não de nacionais.
Ampliação do comprimento
A armadora aderiu à tecnologia de jumborização (aumento do tamanho) de navios, que custava menos que a construção de um novo cargueiro.
O Rosa da Fonseca, um dos “Cisnes Brancos”, foi construído pelos estaleiros
Split (Iugoslávia) para a Companhia Nacional de Navegação Costeira, e incor-
porado pelo Lloyd Brasileiro em novembro de 1966. Os outros “Cisnes Brancos”
eram Anna Nery, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina. Os dois últimos
foram construídos na Espanha. Acervo: Laire José Giraud
Com isso, a companhia também acompanhava a evolução do transporte marítimo, mais especificamente da intensificação do uso do contêiner.
Os navios jumborizados deslocavam 12 mil toneladas, mediam 160 metros de comprimento, comportavam 19.822 metros cúbicos de cargas, inclusive frigorífica. O financiamento foi da Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam), do Ministério dos Transportes.
Na foto são vistos os cargueiros Itapuca e Itapé da série
“Ita-Liners” construídos entre 1970 e 1972, num total de 14, entre
eles: Itanagé, Itaquicé, Itapagé, Itapuí, Itassucé, Itaberá,
Itapura, Itagiba, Itaimbé. Foram jumborizados o Itapagé,
Itaité, Itapé, Itanagé e o Itaquatiá, que passaram a ser
full-container. Acervo: Laire José Giraud
O Lloyd herdou da Companhia Costeira os famosos “Cisnes Brancos”, navios de passageiros que ganharam tal denominação em virtude de o casco deles ser branco: Anna Nery, Rosa da Fonseca, Princesa Leopoldina e Princesa Isabel.
Orgulhos
Os últimos orgulhos da armadora foram os navios porta-contêineres Lloyd Pacífico e Lloyd Atlântico. O primeiro foi construído em 1984, no estaleiro Ishikawajima do Japão, com capacidade para 1.210 contêineres e comprimento de 188 metros. O segundo, em 1986, no estaleiro Ishikawajima do Rio de Janeiro, também para 1.210 contêineres e com igual comprimento.
O Lloyd Pacífico, juntamente com o Lloyd Atlântico, foram dois grandes
orgulhos da grande armadora brasileira do passado. Foram construídos respecti-
vamente em 1984 e 1986. Imagem: Livro: Bandeiras nos Oceanos – A História
da Centenária Armadora – 1890 – 1997 de José Carlos Rossini.
Desde a fundação, em 1890, o Lloyd Brasileiro sempre enfrentou dificuldades, mas a que surgiu no final dos anos 80 para a década de 90 foi a que levou a companhia a uma situação insustentável, com prejuízos e dívidas imensas, que finalmente levaram à extinção.
Um dos golpes que levaram o Lloyd ao naufrágio foi a decisão do Governo de abrir a navegação brasileira a companhias estrangeiras. O objetivo era baratear os fretes marítimos, reduzindo os custos das importações e exportações.
O resultado foi uma acirrada concorrência entre as armadoras, que na disputa por espaço levaram os preços dos fretes para baixo, com reflexos trágicos para o Lloyd. Este quadro foi aliado à má gestão, ao excesso de pessoal e a custos trabalhistas elevados, entre outros fatores.
Nos anos 90, ainda se tentou passar o Lloyd Brasileiro para uma armadora privada, mas as negociações não chegaram a um resultado satisfatório.
Leilão
Alguns dos navios do Lloyd foram leiloados para quitar parte das dívidas. A empresa alemã Eckhardt Marine, de Hamburgo, adquiriu o Itaquatiá, Itanagé, Itapé, Itaité e Itapagé.
A armadora nacional Norsul adquiriu os graneleiros Rio Apa, Rio Trombetas e Rio Branco. Esses navios ficaram, durante vários anos, ancorados na baía de Guanabara.
Antigos comandantes do Lloyd Brasileiro, reunidos no Centro dos
Capitães da Marinha Mercante – Rio de Janeiro. Da esquerda para
a direita: Mario R. Gomes Lima, Carlos Alberto dos Santos Caval-
cante, José Carlos Rossini, Hélio Martins de Andrade (sentado),
Vivaldo Alves da Silva (com o rádio), Gaudêncio Soares Filho e
Fernando Santos. Acervo: José Carlos Rossini
O último ato do Lloyd, que alcançou o posto de maior companhia de navegação da América Latina e de uma das maiores do mundo, foi a extinção, atolado em dívidas de R$ 240 milhões.
Abrilhantando e finalizando este artigo, que sucintamente contou a saga do Lloyd Brasileiro, mostramos dois comentários sobre o artigo anterior Um Dia do Lloyd Brasileiro no Porto de Santos, de duas pessoas de gerações diferentes, que apreciam e conhecem os acontecimentos da extinta companhia de navegação, que ainda tem seu nome gravado nos quatro cantos do globo. Uma delas conhecedor profundo das coisas do Lloyd, que é o Comandante Gileno Macedo França, que atuou como chefe da Polícia Naval em Santos, a outra pessoa, é o amigo e grande admirador da história da navegação e dos navios, trata-se do shiplover Marcelo Machado Lopes da Silva, que é de uma geração que não chegou a ver ou pouco viu, os navios do Lloyd. Eis os comentários:
“Tive a triste missão de realizar as últimas vistorias dos últimos navios do saudoso Lloyd Brasileiro, surtos no Rio de Janeiro, atuando pela Capitania dos Portos, quando era o chefe da Polícia Naval. Bons tempos aqueles em que sempre havia navios do LB em todos os mares e nos principais portos do mundo! Faltaram-nos, em momentos decisivos, homens impregnados de forte mentalidade marítima na administração daquela Cia. Agora só nos resta a saudade !!!”
Gileno Macedo França
Site: www.cdp.com.br
“Pena ser muito criança em um dia de 11 "boca preta" (apelido dos navios e tripulantes do LB) atracados em Santos. E ainda com um detalhe bem curioso, o NTrT Barroso Pereira - G 16, da Marinha do Brasil afretado ao LB, movimentando cargas comerciais. Em mais especial o Lloydbras, um clássico classe SD 14 Mark III, presença rara hoje em nossos portos, o que faz a jovem e nova geração de shiplovers ficar maluca cada vez que um desta classe é escalado para vir a Santos nos dias hoje, geralmente em embarques de açúcar, mas infelizmente em sua maioria os Mark IV, a última geração dos SD 14, versão produzida entre 1978-1985. Sim, estes navios dão saudades, parte presente em minha infância e que fizeram história no Porto de Santos. Marcelo”
Marcelo Machado Lopes da Silva
Site: www.naviosmercantesbrasileiros.hpg.ig.com.br
Um dos clássicos anúncios do Lloyd Brasileiro utili-
zados na década de 1970. Acervo: Laire José Giraud
Fontes
Bandeiras nos Oceanos Volume I e II, Arquivo do Jornal A Tribuna de Santos, Revista Docas e relatos de pessoas que trabalharam e conheceram o Lloyd Brasileiro.
Artigo feito com Armando Akio.
Digitalização: Rubens Victor