Quinta, 18 Abril 2024

“Qual cisne branco que em noite de lua
Vai deslizando num lago azul...”

(Trecho da Canção do Marinheiro)

Somente por duas vezes cheguei a ver o esplendoroso Navio-Escola Almirante Saldanha da Gama. A primeira foi numa manhã, a partir da famosa amurada da Ponta da Praia. Devia ser lá pelos idos de 1958. O belo veleiro veio a Santos para as comemorações do Dia do Marinheiro (13 de dezembro). A segunda vez foi de uma das janelas do antigo I.A.P.M – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos, onde meu pai exercia a profissão de médico. O veleiro estava atracado no cais do Armazém 4 da C. D.S – Companhia Docas de Santos. Confesso que em ambas as vezes que vi o legendário Saldanha, senti certa emoção, própria de quem admira todos os tipos de navios, ainda mais sendo um imponente veleiro branco.   


O Almirante Saldanha, na sua chegada apoteótica no Rio de Janeiro,
em 24 de outubro de 1934. Essa triunfal chegada só pode ser
comparada com a chegada dos escalões da FEB - Força Expedionária Brasileira, que participaram da Segunda Guerra Mundial, na Itália.

Constantemente o Almirante Saldanha era noticia na seção criada por Francisco de Azevedo, Porto & Mar do jornal A Tribuna de Santos. Nos anos 50 vinham notícias sobre a movimentação das nossas belonaves.

Na década de 1950, a Marinha dispunha de dois excelentes veleiros o Navio-Escola Guanabara, que é o atual Sagres da Marinha de Portugal e o Almirante Saldanha. Construídos respectivamente na Alemanha e Grã-Bretanha. Particularmente não sei dizer qual dos dois era o mais belo. 

Comparando os dois belos veleiros, o Vice-Almirante Luiz Edmundo Brígido Bittencourt, que foi guarda-marinha a bordo do Saldanha da Gama, conta que este era bem maior e espaçoso, especialmente construído para guarda-marinhas brasileiros, e não para aspirantes alemães. Por conseguinte, era bastante confortável, incluindo sala de estar, praça d’armas, beliches, cabrestante e guinchos elétricos, piloto automático e outras facilidades mais.


O Saldanha da Gama passando pela famosa Ponte do Brooklin,
Nova York, durante a viagem de instrução de 1935. Ao fundo,
Manhattan. Acervo do autor.

Para muitos foi o mais belo veleiro da Marinha do Brasil, tanto que inspirou a canção imortal – a Canção do Marinheiro, ou O Cisne Branco. Embora outros historiadores digam que o veleiro que inspirou a canção tenha sido o Navio-escola Benjamin Constant, um outro navio veleiro, que deixou fortes lembranças na nossa Marinha.

Construído em 1930 pelo estaleiro Vickers Armstrong, de Barrow-in Furnesse (Inglaterra) ele foi incorporado a Marinha do Brasil em 1932, para substituir o antigo Benjamin Constant, que por muitos anos em grandes viagens preparou várias gerações de oficias de Marinha. Sua chegada ao Rio de Janeiro se deu em 24 de outubro de 1934. A chegada foi apoteótica com escolta de belonaves e embarcações particulares, salva de tiros das fortalezas da barra, desfile aéreo, seguido de grandes acontecimentos.


O belo veleiro atracado no píer de Manaus, tendo pela sua proa o
Almirante Alexandrino, do Lloyd Brasileiro (1951). Acervo do autor.

O veleiro recebeu esse nome, em honra ao Almirante Luiz Phelippe de Saldanha da Gama, nascido em 7 de abril de 1846, e que morreu em ação no dia 24 de julho de 1895.

Conforme sua folha de serviço, Saldanha da Gama foi marinheiro por excelência, além de excepcional servidor da Pátria. Por isso a Marinha não se esqueceu do bravo almirante, escolhendo-o para patrono do grande veleiro.

A embarcação possuía quatro mastros e tinha uma elegante silhueta. Quando navegava era imponente e altaneiro. Como navio-escola, o Saldanha da Gama esteve em Santos incontáveis vezes, em viagens de instrução com aspirantes da Escola Naval. Também fez muitas viagens ao exterior, complementando as instruções que os guardas-marinha recebiam.


A fotografia mostra o Saldanha da Gama navegando com sua propulsão mecânica, ou seja, em "árvore seca" (sem velas) - 1951.
Acervo do autor.

Entre essas viagens, vale destacar a Quinta Volta ao Mundo da Marinha do Brasil ocorrida em 1954/1955, sob o comando do capitão-de-mar-e-guerra Levy Penna Aarão Reis.

Essa também foi a décima quarta Viagem de Instrução e Representação ao Estrangeiro, com a turma de guardas-marinha, e cujos portos de escala foram os seguintes: Port of Spain (Trindade e Tobago), Colo e Balboa (Panamá), Acapulco (México), San Diego (Estados Unidos), Honolulu (Havaí), Guan, Jacarta (Indonésia), Cingapura, Pireus (Grécia), Nápoles (Itália), Barcelona (Espanha), Marselha (França), Argel (Argélia), Lisboa (Portugal), Casablanca (Marrocos), Dacar (Senegal), Recife e Rio de Janeiro.


Cartão-postal publicitário da Marinha do Brasil, tendo como ilustração
o veleiro que deu origem à famosa Canção do Marinheiro.
Anos de 1930. Acervo do autor.

No livro Estórias Navais Brasileiras, de autoria dos comandantes Hélio Leôncio Martins e Antônio Augusto Cardoso de Castro, há um capítulo com o título Navegação de Alta Tensão, onde é relatada viagem de circunavegação do Saldanha, no cruzeiro 1952/1953. Um dos guardas-marinha da época foi Vice-Almirante Max Justo Guedes.

O Saldanha da Gama foi o primeiro navio da Marinha do Brasil a fazer a travessia do Canal do Panamá.

O atual presidente da Praticagem do Porto de Santos, o prático Fábio Melo Fontes, quando cursava a Escola de Marinha Mercante, fez viagens de adestramento no Saldanha da Gama e no Guanabara (atual Sagres). Melo Fontes possui em sua residência uma maquete do navio veleiro do seu coração, o Saldanha da Gama.


O legendário navio-escola Benjamin Constant, visto fundeado em
Ponta Delgada - São Miguel- Açores, no início do Século XX. O veleiro
foi substituído pelo Almirante Saldanha da Gama. Uma das seções de
um dos mastros desse navio encontra-se no estaleiro da Praticagem santista. Acervo do autor.

Em 1996, ano do centenário da morte do Almirante Saldanha da Gama, um artigo publicado na Revista Marítima Brasileira, edição julho/setembro, conclui em certo trecho que o navio havia ficado pequeno, e já estava na hora de substituir por um outro maior. Na verdade, o veleiro havia sido construído para alojar 60 guardas-marinha e as turmas que saíam nessa época da Escola Naval já superava em muito esse número.

Assim, foram removidos seus mastros, trocados os motores. Depois de reformada a superestrutura, o navio voltou ao mar como navio-hidrográfico, onde prestou relevantes serviços à Diretoria de Hidrografia e Navegação. No momento de sua baixa e inevitável desarmamento, o Almirante Saldanha foi colocado à venda como sucata a um estaleiro, cujo proprietário não teve coragem de desmanchá-lo. Durante alguns anos ficou na lha de Conceição em Niterói. Mas em 2006 começou a ser desmantelado.

Suas características técnicas eram as seguintes: Comprimento 93,71 metros; boca (largura) 15,86 metros; deslocamento 3.425 tons; motor Diesel de 1.400 BHP; superfície vélica de 25.990 pés quadrados; 4 mastros e era aramado em lugar-escuna (tipo de veleiro).


Foi da amurada na ponta da Praia, onde é visto um casal, que o
autor viu pela primeira vez o Almirante Saldanha entrando em Santos.
A foto é de junho de 1945. Acervo do autor.

Não custa lembrar que na década de 1960, aconteceram duas tristezas para a vela: a venda do Guanabara para Portugal (10/10/1961), e a transformação do Saldanha em navio-oceanográfico, sem mastros, terminada em 1964.
 
O Saldanha da Gama teve baixa, em 12 de julho de 1990, após 56 anos de bons serviços prestados ao Brasil.

Para amenizar as mazelas feitas com o Saldanha da Gama e Guanabara, ou seja, a de ficarmos sem um veleiro por várias décadas, a Marinha do Brasil adquiriu um veleiro de grande porte (chamado de “tall ship”), o Cisne Branco, construído  na Holanda, e incorporado em 9 de março de 2000, após atravessar o Atlântico na mesma rota feita por Pedro Álvares Cabral, em 1500.  O belo veleiro tem representado o Brasil no exterior em diversos eventos.


O recente navio veleiro Cisne Branco, construído na
Holanda e incorporado em 2.000 veio para preencher as
lacunas deixadas pelo Almirante Saldanha e pelo
Guanabara. Foto: Marinha do Brasil.

Abaixo, a letra oficial da Canção do Marinheiro, com música de autoria do primeiro-sargento do Exército Brasileiro Antonio Manoel do Espírito Santo e letra do segundo-tenente (reformado) da Marinha do Brasil Benedito Xavier de Macedo:

Canção do Marinheiro

Qual cisne branco que em noite de lua
Vai deslizando num lago azul.
O meu navio também flutua
Nos verdes mares de Norte a Sul.

Linda galera que em noite apagada
Vai navegando num mar imenso
Nos traz saudades da terra amada
Da Pátria minha em que tanto penso.

Qual linda garça que aí vai cruzando os ares
Vai navegando
Sob um belo céu de anil
Minha galera
Também vai cruzando os mares
Os verdes mares,
Os mares verdes do Brasil.
 
Quanta alegria nos traz a volta
À nossa Pátria do coração
Dada por finda a nossa derrota
Temos cumprido nossa missão.
______________________________
Fonte: site da Marinha do Brasil – www.mar.mil.br

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