A imagem de um líder revolucionário, mártir da independência do Brasil, uma espécie de Cristo cívico, atribuída a Joaquim José da Silva Xavier por uma tradição historiográfica que teve início no final do século 19 não corresponde à realidade histórica. Tiradentes, de acordo com o que se lê em “Brasil: uma história”, do jornalista Eduardo Bueno, foi apenas o “bode expiatório” da Inconfidência mineira.
A revolta, que teve como principal motivo a cobrança de impostos atrasados, envolveu a elite de Vila Rica (atual Ouro Preto – MG), grupo do qual faziam parte intelectuais, religiosos, militares e fazendeiros. Entre eles, o alferes Joaquim José era figura secundária e certamente não teve papel de destaque, exceto a partir do momento em que a revolta foi descoberta e os envolvidos presos.
Conforme revela a obra de Bueno: “A decência com a qual se comportou ao longo do longo e tortuoso processo judicial e, acima de tudo,a altivez com que enfrentou a morte, tornaram-no, no ato, não apenas a maior figura do movimento, mas também um dos grandes heróis da história do Brasil”.
“Enquanto a maioria dos conjurados chorava, balbuciava e se maldizia, trocando acusações e blasfêmias diante dos jurados” – prossegue Bueno –, “Tiradentes manteve a dignidade, o senso de camaradagem e uma tranquilidade despojada que, da mera leitura dos atos, sua presença refulge imponente e quase majestosa”.
Mas talvez não tenha sido apenas o destemor do personagem que o tenha tornado o culpado ideal e o condenado perfeito a uma pena exemplar. De todos os envolvidos na conjuração, Tiradentes era o único que podia ser considerado um joão ninguém. Em seu livro, Bueno transcreve uma carta da Corte portuguesa que pergunta quem é Tiradentes, bem como a significativa resposta do juiz do processo: “não é pessoa que tenha figura, nem valimento, nem riqueza”.
Além disso, o jornalista lembra também que apresentar como líder um personagem simples como Tiradentes era uma forma de desmoralizar o movimento.“Brasil: uma história” prossegue mostrando como “os caminhos da história escolheram outras vias e, um século depois, Tiradentes seria transformado no grande símbolo da república - independentemente do papel que tivesse desempenhado na Conjuração”.
Segundo Bueno, a partir de 1873, a historiografia e a literatura começam a transformar Tiradentes numa espécie de “Cristo cívico”, o que ganhou impulso com a proclamação da República, que, levando em conta os ideais republicanos que circulavam em Vila Rica no século 18, fizeram do personagem o “símbolo do novo regime”.